Milionários atuam como “anjos” em Portugal apoiando pequenas empresas brasileiras

Pelo menos 44 milionários — a maioria, brasileiros — participam de um fundo de investimentos administrado pela Atlantic Hub para investir em startups com potencial de crescimento mundo afora.

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Eduardo Migliorelli, o segundo a partir da esquerda, reunido com empresários e investidores na Web Summit, em Lisboa Arquivo pessoal
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Um grupo de ao menos 44 milionários se juntou para atuar como "anjos de startups" brasileiras em Portugal, cuja injeção de capital vai prepará-las para conquistar o mundo. Eles atuam por meio do fundo de investimentos Core Angels gerido pela Atlantic Hub. Para aderir a essa plataforma é preciso entrar com, no mínimo, 50 mil euros (R$ 300 mil). Há, inclusive, uma startup que foi apoiada por esse grupo, a Sizebay, que vem revolucionando o mundo da moda e dando alívio aos grandes varejistas, ao reduzirem as perdas nas vendas online.

“Esse fundo foi criando com base nas dores que senti quando cheguei em Portugal. Não via nenhum apoio às empresas brasileiras de pequeno e médio portes que buscavam a internacionalização”, diz Eduardo Migliorelli, CEO e co-fundador da Atlantic Hub. A Sizebay, explica ele, funciona como um provador virtual, que consegue medir, quase que com exatidão, os tamanhos das peças de roupas ofertadas por meio do e-commerce. “A empresa já atua em vários países da Europa, como Alemanha, e nos Estados Unidos. O provador virtual reduz em pelo menos 50% as perdas das varejistas, pois é caro o transporte do produto devolvido”, frisa.

Migliorelli desembarcou em território luso em 2016, depois de ter trabalhado em várias multinacionais na área financeira no Brasil. “Meu objetivo era dar melhor qualidade de vida para a minha família”, conta. “Mas logo percebi que havia uma dor entre os empresários brasileiros que tentaram vir para Portugal, com o objetivo de entrar com seus produtos e serviços na Europa. Acabavam contratando contabilista e escritório de advocacia para abrir uma empresa, porém, não tinham o principal, uma estratégia, um plano de negócio. E o mais importante ainda, os clientes”, conta. “Só gastavam.”

Potenciais negócios

Condoído pelos insucessos, o executivo começou a dar apoio a alguns amigos que tentavam se adaptar ao ecossistema de Portugal. “Com o tempo, vimos que os negócios desses amigos estavam dando resultado. Pude perceber que tinha curado a dor deles e a minha própria”, afirma. Essa empreitada acabou resultado na Atlantic Hub, com mais três sócios. A empresa tem um braço no Brasil que faz todo o trabalho comercial, juntando, periodicamente, mais de 400 empreendedores e investidores na Casa de Portugal, em São Paulo. Também se encarrega de levar empresários para Portugal para ver de perto potenciais negócios.

No ano passado, por exemplo, a Atlantic Hub liderou a maior missão empresarial da Web Summit, a feira de tecnologia de Portugal. “Em uma semana, incluindo encontros antes da feira, reunimos mais de 600 empresários brasileiros. Foram 10 ônibus circulando diariamente pelas ruas estreitas de Lisboa, com pessoas de todos os ramos, agricultura, saúde, tecnologia, em visitas técnicas para entender o ecossistema português”, relata Migliorelli. No geral, as empresas que o procuram já estão encorpadas no Brasil e querem desbravar outros mercados. “Temos um sistema de inteligência que ajuda nesse processo.”

Sem espaço para todos

Nos 10 anos à frente da Atlantic Hub, o executivo está convencido de que não são todas as empresas brasileiras que estão aptas a se alojarem em Portugal. “Uma firma de segurança, por exemplo, que está indo bem no Brasil, certamente não teria sucesso em Portugal, porque não há violência no país. Isso só seria viável se a empresa tivesse um diferencial muito grande, o que não é caso”, explica. Aquelas que passam pelo crivo do executivo vão entrando em terras lusitanas devagar, um soft landing. “Já colaboramos com mais de 200 empresas nesse movimento de expansão, de vários setores. Ajudamos, inclusive, alguns empresários a captarem recursos em Portugal”, destaca.

Outro braço de apoio aos empreendedores é a Atlantic Station, classificada por Migliorelli como a primeira parada em Portugal, em Oeiras. “Temos mais de 30 empresas sediadas neste local, brasileiras, gregas, russas, ucranianas, porque também somos uma incubadora, certificada pelo Iapmei (agência de desenvolvimento portuguesa). Recebemos, ainda, muitas Startups Visa, programa de incentivo do Governo na área de tecnologia”, descreve. “Tudo o que estamos desenvolvendo é o que não tive 10 anos atrás, quando cheguei em Portugal. Encontrei muitas barreiras, não foi fácil. Um processo de internacionalização, de desembarque em um país que você não conhece, é muito complicado”, diz. “Porém, quando há suporte, pessoas que querem ajudar, as barreiras caem”, emenda.

Para as soluções dessas dores, entram também os "investidores anjos". Nesse sentido, a Atlantic Hub juntou duas pontas, os investidores brasileiros que estão em Portugal e querem aplicar seus recursos e os empresários que precisam de dinheiro para crescer pela Europa. “Sempre sou procurado por investidores que trocaram o Brasil por Portugal, que as mulheres deixaram de andar de carro blindado e os filhos vão de bicicleta para a escola, mas que querem fazer algo no país que escolheram para viver. Foi dessas consultas que nasceu o fundo Core Angels Atlantic. “Os recursos são apenas para startups brasileiras, já validadas, com boa governança no Brasil e com orçamento para crescimento do exterior”, explica.

Crédito parcelado

Migliorelli ressalta que as empresas atendidas pela Atlantic Hub fora do fundo de investimentos são de porte médio, mas que já atingiram um tamanho relevante no Brasil e que desejam ter parte do faturamento em moeda forte. “As empresas que instalam sua sede em Portugal têm a disposição um mercado de mais de 500 milhões de consumidores. A partir daí, ganham robustez na imagem”, afirma. Ele conta que, entre as inovações que uma das empresas assessorada por ele está trazendo para a Europa é o parcelamento do crédito, que não é comum na região, mas muito frequente no Brasil. No geral, os brasileiros são muito criativos”, acrescenta.

O executivo reforça que a primeira barreira que os empreendedores brasileiros enfrentam em Portugal é cultural. Os portugueses são mais fechados. “Mas, quando se chega com humildade e se ganha a confiança, tudo flui com mais facilidade”, destaca. “É importante deixar claro que não trazemos para Portugal qualquer empresa, qualquer negócio. Só aceitamos trabalhar com empresas que têm capacidade real de dar certo”, frisa.

No entender de Migliorelli, ainda há um desconhecimento por parte dos empresários brasileiros sobre a importância estratégica de Portugal para se entrar na Europa. “Neste segundo semestre, haverá grandes linhas de financiamento governamentais para o setor privado. Portanto, é muito importante que os empreendedores estejam atentos para não perder oportunidades”, avisa.

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