O impacto da enxaqueca na qualidade de vida

Assinala-se, nesta quinta-feira, 12 de Setembro, o Dia Europeu da Enxaqueca, uma data que serve para dar a conhecer melhor esta patologia, assim como as suas implicações na vida dos doentes em geral.

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A enxaqueca afeta 7% dos homens; nas mulheres, a prevalência é de 24% Miguel Silva/Arquivo
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A enxaqueca é uma cefaleia primária que afeta aproximadamente 12 a 15% da população mundial, estimando-se que, em Portugal, atinja uma em cada sete pessoas. Acredita-se que resulta da combinação de fatores genéticos, ambientais e neurológicos, que estão na génese de determinados processos a nível cerebral, com excitação/depressão de determinadas células, vasodilatação e libertação de substâncias químicas.

Ocorre mais frequentemente em mulheres (24% nas mulheres versus 7% nos homens), ainda que os homens também possam apresentar quadros igualmente frequentes e incapacitantes. Tipicamente, tem início na adolescência e o seu pico de incidência ocorre entre os 30 e os 39 anos. Contudo, pode ocorrer também nas crianças, sob a forma de vómitos cíclicos ou episódios de vertigem recorrente e, menos frequentemente, atinge faixas etárias mais avançadas.

De referir ainda que 2% da população mundial vive com enxaqueca crónica, patologia que se caracteriza por cefaleia em mais de 15 dias por mês. A enxaqueca crónica pode estar associada a cefaleia secundária, relacionada, por exemplo, com o uso abusivo de medicação analgésica.

Quando falamos de enxaqueca não nos referimos apenas a uma dor de cabeça comum, é uma condição que pode ser altamente incapacitante e impactar as mais diversas esferas da vida do doente. A nível global, é a segunda maior causa de anos vividos com incapacidade em todas as regiões, em ambos os géneros e em todas as idades, sendo a principal causa de incapacidade por doença neurológica.

Prejudica o dia a dia do doente e interfere nas suas relações interpessoais e sociais, não só pela intensidade e frequência das crises, mas sobretudo pela sua imprevisibilidade — a pessoa teme pela antecipação da crise, isolando-se e evitando a assunção de compromissos. Além disso, pode afetar também negativamente o desempenho laboral — de facto, cerca de 50% dos doentes fica ausente do trabalho, em média, quatro dias por mês. As atividades de lazer também podem ser limitadas, e o bem-estar emocional muitas vezes é comprometido, com o surgimento ou agravamento de ansiedade ou depressão. É, por isso, fundamental, que a sociedade esteja consciente de que a enxaqueca é uma condição médica legítima e incapacitante. O estigma associado pode levar ao subdiagnóstico e ao subtratamento.

Um cenário típico

Poderá começar a sentir-se mais cansado ou irritado, por vezes até com uma vontade estranha de comer certos alimentos ou ir mais vezes à casa de banho. Depois podem surgir fenómenos visuais (como flashes luminosos, manchas escuras em forma de mosaico ou imagens brilhantes em ziguezague) ou formigueiros ou dormências num dos lados do corpo. E por fim chega a dor! Tipicamente muito intensa e latejante, afetando um dos lados da cabeça, associada a náuseas e vómitos e que leva ao isolamento num local escuro e sem barulho. Panos húmidos sobre a testa podem dar algum alívio. Pode demorar horas ou alguns dias, e mesmo depois de a dor passar chega a “ressaca da enxaqueca”, com dificuldades concentração, cansaço e alterações do humor.

Este é o cenário típico de uma crise de enxaqueca — apresenta fases distintas e compreendê-las é o primeiro passo para enfrentá-las. Além disso, ser capaz de identificar e tratar uma crise de enxaqueca, desde o início, pode ajudar a prevenir ou minimizar os sintomas.

O diagnóstico de enxaqueca é essencialmente clínico pelo que depende de uma história clínica e exame neurológico detalhados. A história familiar é frequente. Habitualmente não carece de exames complementares de diagnóstico (por exemplo, com realização de exames de imagem) embora possam ser necessários para exclusão de outras patologias.

A mudança de paradigma

A enxaqueca afeta as pessoas de diferentes formas, pelo que não existe um caminho único na gestão da doença e no respetivo sucesso do tratamento. A abordagem é, muitas vezes, multidisciplinar e inclui uma panóplia de terapias para controlar os sintomas.

Em primeiro lugar, as mudanças no estilo de vida são cruciais na abordagem não farmacológica da enxaqueca. Promover uma rotina diária, a prática de exercício físico e a manutenção de um padrão de sono adequado são fundamentais. Adicionalmente, a identificação de potenciais fatores precipitantes é essencial de modo a poder evitá-los quando possível. Estes fatores são variáveis de doente para doente, podendo existir mais do que um em cada caso e podendo variar ao longo do tempo.

Alguns dos fatores precipitantes mais frequentes incluem: excesso de stress; privação ou excesso de sono; alterações meteorológicas e alterações hormonais; o jejum prolongado, o consumo de álcool e de certos alimentos como, adoçantes, queijos envelhecidos, chocolates ou citrinos, alimentos contendo glutamato monossódico, como queijos, tomate, cogumelos, algas marinhas e carnes, cafeína, entre outros.

A abordagem farmacológica divide-se no tratamento agudo e no tratamento profilático. O primeiro tem como objetivo aliviar os sintomas de uma crise de enxaqueca quando esta ocorre; assenta na utilização de analgésicos ou anti-inflamatórios comuns.

O tratamento preventivo tem como intuito reduzir o número de crises e a sua intensidade. Os medicamentos classicamente utilizados foram concebidos para o tratamento de outras doenças — como anti-hipertensores, antidepressivos ou anticonvulsivantes — mas que demonstraram ser também efetivos na prevenção da enxaqueca. Contudo, associam-se, não raras vezes, a efeitos adversos importantes e consequente abandono da terapêutica.

Em 2018, o marasmo de trinta anos na investigação das cefaleias foi quebrado com a introdução de fármacos criados especificamente contra uma molécula ou o seu recetor — o CGRP, um neuropeptídeo que está intimamente relacionado com a génese da enxaqueca.

Atualmente, contamos com duas classes de medicamentos diferentes: quatro anticorpos monoclonais e dois gepants. Os seus perfis de segurança e tolerabilidade promissores, a par da inovação em termos posológicos (possibilidade de administração mensal ou trimestral dos anticorpos monoclonais) contrasta com a dificuldade no seu acesso. São medicamentos de dispensa exclusivamente hospitalar (pública ou privada) e estratificada mediante critérios maioritariamente economicistas, e que constituem seguramente dilemas éticos e morais na abordagem do tratamento destes doentes.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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