Da tirania do divertimento à recuperação da ociosidade

Jamais na história da humanidade o indivíduo teve tanto tempo para si próprio. Paradoxalmente, esse tempo também se tornou um problema, pois não estamos preparados para tal abundância.

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A arte de ocupar o tempo livre representa um dos maiores desafios que se coloca aos habitantes dos países desenvolvidos jimmy teoh/pexels
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Neste período de férias, importa refletir sobre a forma como ocupamos o nosso tempo livre, revisitando o conceito de ociosidade tal como era entendido na Grécia Antiga. Designado pela palavra skholé, o seu sentido correspondia ao conceito de lazer estudioso, que visava o aperfeiçoamento pessoal, ao qual podemos dedicar-nos quando temos oportunidade de não trabalhar. Nesse tempo de lazer, o cidadão era encorajado a aperfeiçoar-se, movido por uma ambição ética, prestando especial atenção ao seu espírito.

Na raiz da palavra humanismo, este termo pressupõe que um ser humano se torna humano através de uma aprendizagem exigente, que se realiza durante a skholé. Contudo, esta palavra não significa austeridade, mas sim uma técnica de acesso a um prazer superior. Estando dirigida ao aperfeiçoamento pessoal, a skholé é distinta do lazer popular moderno, igualmente centrado no sujeito, mas de forma egocêntrica.

É esta a visão do professor universitário Oliver Babeau, exposta no livro La Tyrannie du Divertissement, no qual chama a atenção para a preponderância do divertimento sobre a ociosidade, tal como esta era entendida no passado: “Com a democratização do lazer, a ociosidade estudiosa foi destronada. Nesta sociedade de consumo, o lazer não é utilizado para se aperfeiçoar, mas para consumir cada vez mais e para se divertir cada vez mais. A sociedade de massas converteu o lazer em puro divertimento”.

Segundo este autor, jamais na história da humanidade o indivíduo teve tanto tempo para si próprio. Paradoxalmente, esse tempo, que constitui uma novidade, também se tornou um problema, pois não estamos preparados para tal abundância. “Parece que não sabemos divertir-nos sem que seja em excesso. É por esse motivo que perdemos o tempo que tanto nos custou a ganhar”, refere, chamando a atenção para a centralidade do tempo livre e, sobretudo, para a forma como o ocupamos. Esta é de tal forma significativa que, na sua opinião, “a crise que estamos a atravessar tem origem no drama do tempo livre mal utilizado, do tempo vazio de sentido”.

Para inverter esta situação, é necessário começar por atribuir ao lazer a importância que este efetivamente tem, percebendo que não é um detalhe, mas algo de central na nossa vida. Neste sentido, a arte de ocupar o tempo livre — apesar de não nos ter sido ensinada — representa um dos maiores desafios que se coloca aos habitantes dos países desenvolvidos. Esta arte implica a capacidade e a lucidez de mobilizar a liberdade de escolha para evitar a delapidação do nosso tempo. Pode parecer um desafio pouco importante, mas este autor considera-o determinante na prática: é fundamental reaprender a difícil arte de ocupar o nosso tempo livre.

A tese central defendida na obra La Tyrannie du Divertissement é a de que foi devido a esta impreparação na utilização do tempo e à falta de consciência da relevância do lazer que deixámos os tempos livres desequilibrarem-se, permitindo que o divertimento ocupasse o lugar do lazer estudioso. No entanto, o que está em causa não é opor as duas formas de ocupar o tempo livre, mas sim reequilibrá-las.

O problema, na perspetiva de Olivier Babeau, não é a existência do divertimento. Este é necessário e saudável. O lazer passivo é indispensável. Precisamos de relaxar, de nos divertirmos e de descontrair. A questão que se coloca é relativa à confiscação do lazer em prol do divertimento, que tem impacto nos indivíduos e na sociedade. A questão é o espaço excessivo e hegemónico que, na atualidade, é ocupado pelo divertimento.

Associado à utilização dos ecrãs, o tempo excessivo dedicado ao divertimento acarreta inevitavelmente outro tipo de problemas, tal como alerta Olivier Babeau: “Os efeitos físicos e psíquicos da sedentarização e da adição aos ecrãs são devastadores. A sociedade paga-os com doenças, em custos para o sistema de saúde, em baixa de esperança de vida, em depressão, etc..”

Mas existem outro tipo de custos, tão ou mais altos, se bem que menos visíveis, relacionados com a dimensão do ser. Enquanto as atividades associadas ao divertimento promovem o relaxamento obtido pelo esquecimento do ser, já as associadas à skholé fazem progredir as competências, enriquecendo o nosso espírito.

É neste sentido que Oliver Babeau considera que “acabar com a tirania do divertimento é um imperativo para a sociedade”, defendendo que as horas excessivas de divertimento devem ser redirecionadas para outras atividades que permitam um progresso pessoal e social. Utilizar melhor o tempo livre significa ser mais criativo, ter uma vida social e mental mais harmoniosa, e contribuir para a sociedade com mais do que o simples consumo de divertimentos.

Mas, para tal, há que ultrapassar um desafio específico da nossa época: ser capaz de resistir ao imediatismo. A educação tem um papel determinante neste domínio. Sem excluir o prazer, deve preparar as crianças para capitalizarem o tempo de modo a obterem, mais à frente, frutos mais belos.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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