Quem quer surpreender e mostrar bom gosto leva uma magnum para o jantar

Os vinhos em garrafas de grande formato chegam em melhor estado de evolução, ficam bem numa mesa e dão para muitas bocas. Já é tempo de explorarmos esta riqueza.

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Uma vez por mês, o restaurante JNcQuoi Avenida, em Lisboa, abre uma garrafa de grande formato (sempre vinhos emblemáticos, raros e caros) que é servida a copo. DR
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Cada jornalista de vinhos tem a sua mania. Durante as apresentações, há quem queira registar a percentagem de álcool do vinho, há quem queira saber o número de garrafas da referência em causa, há quem se excite com o pH e há quem não viva bem sem saber quando e em que condições o vinho fez a fermentação maloláctica (na realidade não é bem uma fermentação, mas adiante). Nós também temos a “panca” por um certo assunto: as garrafas de magnum (1,5 litros) ou garrafas de grande formato.

Sempre que em prova nos aparece um vinho – regra geral, brancos – cujo potencial sensorial começamos a imaginar daqui por cinco, dez ou 15 anos a pergunta é fatal: fizeram garrafas magnum disto? É uma pergunta que, verdade se diga, tem quase sempre a mesma resposta: “Não, mas se calhar devíamos. Olhe, talvez na próxima colheita...”

Esta mania começou a agravar-se na última década e com a evidência científica da evolução no tempo e em grande estilo dos vinhos brancos portugueses de qualquer região. Sim, se há regiões com maior potencial nesta matéria (Dão, Bairrada ou Verdes), a realidade é que descobrimos vinhos velhos brancos de qualidade em qualquer região. E o caso atinge picos mais agudos quando damos de caras com vinhos que quando novos eram simplesmente correctos, direitinhos e mais do mesmo, mas que com o tempo se revelam coisas espantosas, inusitadas e fora de série.

É nessas alturas que voltamos a sentir aquela velha ideia de que nós, portugueses, somos “vinicidas” encartados, hábito que nos devia agravar o IRS ao final do ano. Beber vinhos antes do tempo é exactamente a mesma coisa que comer um queijo São Jorge com dois meses de cura quando ele foi concebido para ter uns 30 meses. Tolice, certo?

Ora, se isso acontece quando abrimos garrafas de 0,75l, é fácil imaginar que, se esses mesmos vinhos tivessem sido engarrafados em magnum ou garrafas de maior formato, a qualidade seria ainda maior, visto que a boa evolução de um vinho varia na razão directa do maior volume de contacto do vinho dentro de uma garrafa com menor quantidade possível de oxigénio o mau da fita na evolução dos vinhos. Por razões físico-químicas (menos presença de oxigénio), quanto maior for a garrafa (o formato midas pode chegar aos 30 litros), melhor estará o vinho. Obviamente, não precisamos de uma garrafa de 30 litros para perceber o que está em causa, mas apenas começar a comprar garrafas de uma marca que, para a mesma referência, tenha volumes de 0,75l, 1,5l ou 3 litros. Para começar, chega.

Sete anos, sete grandes formatos

Falamos de brancos, porque é nesta categoria que se encontram vinhos surpreendentes num menor período de tempo possível, mas uma das mais interessantes experiências aconteceu-nos em Abril no JNcQUOI Avenida, por ocasião do sétimo aniversário do restaurante que mudou o paradigma da restauração lisboeta pelo facto de servir gastronomia portuguesa com um nível de qualidade de produto, confecção, serviço e ambiente irrepreensíveis. Se eram sete anos, a equipa que gere o espaço convidou sete produtores do Douro, que trouxeram garrafas de grande formato, nalguns casos engarrafadas de propósito para este evento.

Garrafas como Quinta do Vale Meão 2019 (5 litros), Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa 2019 (6 litros), Chryseia 2017 (9 litros), Barca Velha 2011 (6 litros), Legado 2017 (6 litros), Pintas 2015 (5 litros) e Mirabilis Grande Reserva 2017 (6 litros) desfilaram pelo restaurante nas mãos de uma equipa de sete sommeliers, que, com grande profissionalismo, lá iam servindo aos clientes os vinhos a copo.

Convém salientar que o JNcQuoi Avenida também marca a agenda pelo facto de, uma vez por mês, numa sexta-feira, abrir uma garrafa de grande formato (vinhos nacionais e internacionais emblemáticos, raros e caros), que é servida a copo aos clientes que desejam participar na experiência. A este conceito foi dado o nome de It’s Friday, It’s Big Bottle Day. O sucesso da iniciativa foi tal que os responsáveis do restaurante tiveram de registar o nome Big Bottle Day, para evitar cópias avulso. Expertos.

Embora nos pareça que só vinhos do Douro e só vinhos tintos tornaram a experiência um tanto ou quanto monocórdica e cansativa do ponto de vista sensorial (no final foi toda a gente beber champagne para limpar a boca de tanta doçura e álcool), a verdade é que este tipo de exercício foi mais uma prova de que o tempo e as garrafas de grande formato introduzem muita complexidade e mistério aos vinhos. Para quem teve oportunidade de provar estas colheitas quando foram lançadas, regressar às mesmas alguns anos depois quando evoluíram em garrafas de 5 ou 9 litros é voltar à ideia de que a pressa em abrir garrafas em Portugal é sinónimo de esbanjar imenso prazer. Devíamos parar para pensar no assunto.

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Por razões físico-químicas (menos presença de oxigénio, o mau da fita na evolução dos vinhos), quanto maior for a garrafa, melhor estará o seu conteúdo. DR

Com excepção de um vinho que continuava tão pesado, tão amadeirado e tão doce quanto no dia em que foi lançado, os restantes tintos tinham aromas e sabores a que nos habituamos em Barcas Velhas e Reservas Especiais com tempo de garrafa – ou seja, aromas terciários, balsâmicos, aromas especiados e aromas de bosque, com a boca a revelar taninos mais polidos a acetinados, embora o peso do álcool e o calor do Douro fossem evidentes a cada gole.

Se tivéssemos de eleger o vinho do almoço – e isso é só uma questão de gosto –, ele seria o Pintas 2015, que, lá está, quando novo não nos tira do sério. Com esta marca é sempre a mesma coisa: nunca abrir uma garrafa com menos de sete anos. Curiosamente, o Pintas, juntamente com Chryseia, Vale Meão e Mirabilis eram os vinhos mais baratos a copo (35 euros). O Quinta do Crasto Maria Teresa e o Legado, 75 euros, e o Barca Velha, 115. Pois...

Posto isto, não vamos sugerir ao leitor que compre uma destas garrafas (ainda não perdemos o juízo, calma!), mas vamos recomendar dois espumantes em magnum que são uma categoria. O Caves São João Primeira Reserva 2017, da Bairrada, e o Vértice Cuvée não datado, do Douro, das Caves Transmontanas.

O primeiro (50 euros) é mais fresco e vibrante e é excelente para o início de uma refeição, o segundo (entre 45 e 50 euros), é mais complexo de aromas e sabores, pelo que tanto pode acompanhar certos pratos de Verão como acabar em grande beleza o encontro. E de que maneira. Uma coisa garantimos: quem chegar com estes vinhos em magnum a casa de um amigo arrisca-se a muitos beijos e abraços. Só o tamanho das garrafas já é um início de festa. As bolhas fazem o resto.

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