Quando levamos uma garrafa de vinho para o jantar em casa de um amigo que tem lá mais amigos, o que esperamos além dos agradecimentos da praxe? Que esse mesmo amigo mostre surpresa pelo vinho em causa porque conhece e aprecia a marca, porque já ouviu falar dela, mas nunca provou o vinho, porque nunca viu semelhante coisa e fica curioso por provar algo de novo, porque é um vinho de uma casta ou região desconhecida, ou porque pura e simplesmente o rótulo é fora da caixa e conta uma história invulgar. Certo? Certo.
O que raramente nos ocorre é aparecer num jantar de amigos com uma garrafa de 1,5 litros (magnum) ou três litros de vinho (double magnum). E – vamos lá pensar um bocadinho – que garrafa dá que falar à mesa? Uma vulgar garrafa de 0,75 litros ou os tamanhos acima? A resposta parece óbvia. E por diferentes razões.
Em Portugal, as chamadas garrafas de grande formato são muito pouco procuradas. As magnum ainda se vêem numa ou noutra garrafeira ou em restaurantes que levam a sério o serviço de vinhos, mas, acima deste formato, quase nada existe. Ou por outra, existem garrafas XXXL com a finalidade de decorarem a entrada de alguns restaurantes tradicionais.
Quando perguntamos se estão à venda, respondem com um sim a chutar para canto. “Combinamos um dia aí com os amigos à volta de um cozido e abrimos uma.” Claro que esse é o dia de São Nunca à tarde.
E se insistirmos vamos ouvir que a garrafa de 15 litros está guardada para o baptismo de um filho, que depois passa para a primeira comunhão, para a profissão de fé, para o crisma, para o casamento e por fim para o baptismo do primeiro neto.
No fundo, as garrafas de grande formato são um bocado como as garrafas de vinho de Porto que nos oferecem: nunca são abertas. Pior, quando algum descendente resolve ir contra a corrente verifica – oh, caramba! – que aquilo que uma vez foi vinho é agora um vinagre que nem serve para finalizar umas iscas ou uma raia alhada.
Mas como nem tudo é mau nesse mundo, assiste-se a um interesse pelo engarrafamento de vinhos portugueses em garrafas de grande formato. E porquê? Por várias razões. A primeira – a mais importante – é porque há um nicho crescente de consumidores que sabe que quanto maior é a superfície onde o vinho é guardado (com pouco contacto com o oxigénio), melhor e mais tranquilamente será a evolução desse mesmo vinho. Isso é muito simples de se comprovar. Basta que se compre uma garrafa de 0,75 e outra magnum com o mesmo vinho para se notar as diferenças. O vinho da garrafa de grande formato é sempre mais interessante.
A segunda razão é de natureza prática. Uma coisa é partilharmos uma garrafa de 0,75 com cinco amigos, outra, bem diferente, é dividi-la numa festa com 20 pessoas. Alguém vai ficar a ver navios. Donde, uma garrafa magnum é o ideal.
E, em terceiro lugar, a questão estética. Uma garrafa magnum ou double magnum à mesa é outra loiça. Passa a ser o centro das atenções. Dá que falar o vinho e quem teve a ideia de semelhante peripécia.
Dir-se-á: “Ah, mas arrefecer uma garrafa desse tamanho e passá-la de mão em mão à mesa dá mais trabalho.” Talvez, mas isso é um pouco como a desculpa do chão torto para quem não sabe dançar. Havendo gelo, um alguidar maior, uns bíceps medianos ou três ou quatro decanters, a coisa faz-se. Em nome da experiência e da conversa à mesa.
A escala das garrafas de grande formato foi popularizada em França e Inglaterra com uma nomenclatura associada a um conjunto de reis babilónicos. Embora haja certas variações, a escala dos grandes formatos mais praticados é (magnum e double magum à parte) a seguinte: Jeroboão (4,5 litros), Matusalém ou Imperial (6 litros), Salmanasar (9 litros), Balthazar (12 litros), Nabucodonosor (15 litros) e Salomão (18 litros).
Como já noticiámos no Terroir, o consumo de maior sucesso de garrafas de grande formato em Portugal ocorre no restaurante JNcQUOI, em Lisboa. Desde 2019 que, todas as sextas-feiras (pandemia à parte), se organiza o Big Bottle Day. Ou seja, abre-se uma ou mais garrafas de grande formato e serve-se o vinho a copo.
O sucesso da iniciativa é tal que Ricardo Morais tem de recorrer a Espanha, França e Itália para não estar sempre a repetir marcas nacionais, visto que o mercado nacional ainda desconfia da procura por esses formatos. Ou, melhor, desconfiava, porque, pelo que ouvimos, há produtores que manifestam interesse em oferecer esses formatos no seu portfólio. Boa notícia, porque isso traduzir-se-á na recuperação de perfis de vinhos com idade, mas em grande estilo.