Costinha e António Boal meteram 3,5 hectares de vinha em garrafas magnum — cada uma a 600 euros
O preço será um sarilho, mas convém ver a história como um todo. Será a primeira vez que, em Portugal, se compra uma vinha velha para se meter todo o vinho em garrafas de grande formato.
Há várias figuras públicas com o seu nome no rótulo em garrafas de vinho (músicos, ex-desportistas, radialistas e até a mãe do Cristiano Ronaldo). Tecnicamente a coisa é simples. Um produtor é fã ou amigo de alguma dessas figuras e convida-a para lançar um vinho com o seu nome. Havendo acordo, vai-se à adega, escolhe-se um lote a gosto, faz-se um rótulo, envia-se para avaliação na comissão vitivinícola regional e está feito. Coisa diferente é uma figura pública comprar terra para fazer o seu próprio vinho. Não é que seja inédito, mas acontece menos. E é o caso de Francisco Costa, o futebolista que toda gente conhece como Costinha.
“Desde que fui para o Futebol Clube do Porto que comecei, por via do contacto com o António Nora [empresário do sector], a interessar-me por vinhos. Antes só sabia dizer gosto ou não gosto; a partir daí fui descobrindo o mundo das castas, algumas técnicas enológicas e o conceito de terroir. Depois, quando António Nora e Francisco Freitas decidem criar a Wine O'Olock [loja e distribuidora de vinhos], convidam-me para sócio, mas eu naquela altura estava a jogar em Espanha. E a minha mulher, que sempre teve feeling para estas coisas dos negócios, disse-me que achava que não fazia sentido eu estar a investir num negócio à distância. Não entrei eu, entrou o Pedro Emanuel”, diz o actual treinador ao Terroir.
A partir daqui ficou sempre ideia de, um dia, quando deixasse de jogar, entrar no mundo do vinho. “Só que eu não queria ter só uma marca com o meu nome, eu queria mesmo ter terra, ter uma vinha – ver aquilo tudo a funcionar ao longo do ano e depois fazer o vinho. De início pensava que poderia ser no Alentejo, mas acabou por ser em Trás-os-Montes, num projecto com o António Costa Boal”.
Costinha e o responsável da marca Costa Boal conheceram-se nuns almoços que se realizam semanalmente e em que cada um leva vinhos para surpreender os restantes membros do grupo. “Fomo-nos conhecendo e conversando sobre estes assuntos e as famílias tornaram-se amigas até que, em 2018, decidimos avançar com a criação da empresa 2 CC (dois Costa) e comprar uma vinha. Nessa altura a minha mulher já achou que era bom negócio”, salienta o português que ajudou — e de que maneira — o Porto a ganhar a Liga dos Campeões em 2004.
Sendo transmontano, António Boal colocou como condição que a vinha fosse de Trás-os-Montes, e velha, de maneira que lá compraram a denominada Vinha do Professor, em Mirandela. A paixão por vinha velha é tal que Boal confidencia: “Se eu soubesse o que sei hoje, só teria investido em vinhas velhas. Em Trás-os-Montes, eu, hoje, por comparação com as vinhas novas, sei reconhecer onde está a riqueza dos vinhos.” Costinha concordou e acrescentou outra condição: que todo o vinho dos 3,5 hectares fosse apresentado em garrafas de formato. “Quando vou a jantares vínicos com vários amigos, uma garrafa de 0,75l é sempre curta. Além de o vinho evoluir melhor em garrafas grandes, há um ritual bonito à mesa.” Concordaram os accionistas e, também, Paulo Nunes, o enólogo que assina este novo Segredo 6. Segredo porque durante anos os funcionários da Costa Boal não faziam a mínima ideia que vinho era aquele que estava numas barricas especiais na adega, e 6 porque foi número que Costinha sempre usou enquanto futebolista.
Assim, da colheita de 2019 encheram-se 600 garrafas de 1,5 litros, 66 de 5 litros e 6 de 15 litros. Não podemos garantir com a máxima exactidão, mas é possível que esta história de se comprar uma vinha para engarrafar todo o vinho em grandes formatos seja, por cá, inédita. E demonstra — questões de marketing à parte — uma visão estratégica curiosa. Primeiro, por causa da tal melhor evolução do vinho ao longo do tempo; segundo porque se começa a notar um interesse do mercado por garrafas magnum e até de tamanhos superiores e, terceiro, porque, no médio e longo prazo, a 2 CC pode ser a única empresa a poder fazer uma prova vertical de garrafas de grande formato de uma mesma vinha velha — um exercício didáctico e rentável.
Quanto ao vinho em si, bom, é de Trás-os-Montes e de vinha velha, mas se o provássemos às cegas diríamos que era um vinho do Douro, em particular no aroma, uma vez que se destaca bastante pelos frutos maduros e algumas notas de bosque (também não admira, visto ser um lote de Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Amarela e Alicante Bouschet). Só na boca é que a acidez e os taninos mais firmes podem levar-nos para Trás-os-Montes. Não é um tinto fresco, é um tinto com peso e raça, até porque Costinha tem como padrão de gosto os tintos de Alicante Bouschet, em particular aqueles que são criados por Júlio Bastos, no Alentejo. Como está engarrafado em magnum, vai ganhar complexidade ao longo do tempo. Por isso e pelo arrojo do projecto, merecerá 95 pontos.
Agora, quanto aos 600 euros por cada garrafa magnum e esta moda de disparar preços para a estratosfera (Costinha até acha que deveria ser mais), só nos ocorre dizer o seguinte: cada um sabe de si – quem pede e quem paga. Se a notoriedade do Costinha for suficiente para vender as 600 garrafas com rótulos de veludo e letras douradas (neste detalhe é que se calhar não havia mesmo necessidade...), o preço está certo. Caso contrário, pois lá terão de meter a viola no saco. Veremos.