Abandono animal: é preciso organização, supervisão e empatia
Ninguém é obrigado a gostar de animais; a única obrigação de todos os cidadãos é não os prejudicar nem lhes causar danos. Combater o abandono não é uma utopia e cabe ao Estado ter um papel mais ativo.
Apesar dos estudos que apontam para os benefícios de um animal de estimação para a saúde mental das crianças e dos adultos, o abandono persiste na nossa sociedade. Classificado como crime desde 2014, este tipo de comportamento é resultado de vários fatores, que incluem desde a impulsividade no momento da adoção ou da compra do animal até à falta de empatia e de responsabilidade a longo prazo. Cães e gatos são as vítimas mais comuns, sobretudo na fase do ano em que nos encontramos, o que faz parecer que nos meses de verão o animal deixa de ser fofinho ou de ter interesse e até pode ser deixado à sua sorte na rua.
O abandono animal tem sido também apontado como resultado de fatores que incluem a falta de disponibilidade financeira e funcional para prestar cuidados ao animal (em que se deve incluir a falta de planeamento e a desinformação sobre os cuidados e os gastos exigidos); a mudança de casa ou da dinâmica familiar; e os problemas de comportamento, sendo que em muitos casos são resultado da falta de treino adequado e da inexistência da atenção que os donos deveriam dar ao animal.
Do ponto de vista do animal, este ato desumano causa grande sofrimento, dado que, na rua, os animais enfrentam inúmeros desafios, inclusive emocionais, por se sentirem ansiosos e desprotegidos. Sem acesso fácil a água, a alimentos e a abrigo, muitos sofrem de desnutrição, desidratação, agressividade de outros animais, acabando doentes e com cada vez menos hipótese de adoção. A comunidade também é afetada com consequências negativas, como, por exemplo, a possibilidade de formação de matilhas, no caso dos cães, o risco de atropelamento, e de doenças que se instalam por falta de cuidados de saúde.
Na verdade, os animais são abandonados de forma repetida. Inicialmente, por quem lhes achou graça quando eram novidade, mas, com o passar do tempo, deixou de ter interesse. Depois, quando caem na rua, pela sociedade, que, ao sentir um misto de indiferença e de medo, os afugenta, reforçando o abandono. Poucas pessoas percebem que o medo que sentem do animal é recíproco — ele também as teme, dado que outrora foi maltratado. Em resposta, tal como os seres humanos, os animais mostram medo, fugindo ou tornando-se agressivos, dado terem de lutar pela sua sobrevivência num ambiente hostil. Neste caso, passam a ser considerados perigosos e cada vez mais maltratados. No decorrer desta interação, naturalmente, quem perde é o animal, porque nem todos os humanos empatizam o suficiente com o seu sofrimento para tentar encontrar uma solução ou porque não têm informação sobre como agir.
Prevenção do abandono
Ninguém é obrigado a gostar de animais; a única obrigação de todos os cidadãos é não prejudicar nem causar dano aos animais. Combater o abandono de animais não é uma utopia e cabe ao Estado ter um papel mais ativo com compromisso e um esforço conjunto entre as autarquias e os órgãos superiores competentes no que toca à proteção dos animais face a atos de crueldade, abandono e maus tratos.
Os cidadãos também devem envolver-se na prevenção do abandono e fazer prevalecer o bom senso, a empatia e a responsabilidade. Nem todas as pessoas podem, querem ou devem ter um animal, mas podem contribuir de outras formas, por exemplo através de donativos ou de apoio voluntário.
Políticas mais rigorosas contra os maus tratos aos animais e a aplicação de leis contra o abandono são necessárias para proteger os seus direitos. Em 2021 foi criado o estatuto do provedor do Animal, que tem a missão de defesa do bem-estar animal, promovendo uma atuação mais eficaz e coordenada do Estado, nomeadamente através do acompanhamento da atuação dos poderes públicos no cumprimento da legislação aplicável. Seria importante que as pessoas tivessem conhecimento mais claro sobre como chegar à provedoria do Animal, encontrando-se no site um endereço eletrónico.
As organizações de resgate e os canis desempenham um papel vital e devem ter mais apoio do Estado, além de regulação e supervisão adequada e frequente de forma a garantir o bem-estar dos animais que estão a seu cargo e o compromisso de fornecer suporte e orientação aos novos tutores.
Ainda há pouca informação clara e de fácil acesso sobre a forma de atuação quando se encontra um animal abandonado ou perdido. As autarquias precisam de mais campanhas que apelem à sensibilidade das pessoas e que despertem o interesse sobre o tema.
É essencial educar e informar as crianças, em casa e na escola, sobre a importância e o respeito por todos os animais, incluindo a tomada de consciência sobre a responsabilidade de cuidar de um animal, sobre o impacto do abandono no seu bem-estar e sobre o vínculo que se desenvolve com quem opta por ter um animal de estimação.
A comunidade deve estar informada sobre a importância da esterilização de modo a evitar crias indesejadas, além disso, a irresponsabilidade e a crueldade da criação para a venda “dos melhores exemplares” precisa de ser vigiada e sancionada.
A sobrepopulação é um grande problema, por isso, é importante que as autarquias tenham campanhas regulares de esterilização de colónias de gatos e de matilhas.
Em consequência da crise financeira e de outras situações de vida que muitas pessoas enfrentam, nem todas têm capacidade de continuar a manter os seus animais de estimação. Cabe a estas pessoas procurar uma solução adequada e responsável para o animal. Neste sentido, a existência de locais, e da divulgação dos mesmos, na comunidade, onde possam receber ajuda, representa uma forma de controlar o abandono.
Os adultos devem considerar a adoção responsável em alternativa à compra impulsiva como prenda ou porque o filho pediu uma raça específica. Os canis estão cheios de animais (que não estão doentes nem são agressivos) de diferentes portes que podem ajustar-se ao ambiente familiar de quem quer bem cuidar.
Quando o animal está bem integrado na família, é comum ser considerado como um membro e, neste sentido, é necessária maior abertura dos espaços públicos e privados, como praias, estabelecimentos comerciais, hotéis ou alojamento de férias com a limitação clara da raça e do peso que são permitidos e demarcar zonas específicas para pessoas com animais.
Finalmente, é preciso deixar claro que os animais, quando veem o portão de casa aberto e fogem, não têm de saber, obrigatoriamente, o caminho de volta. Isto é uma ilusão. Nunca deve ser permitido o acesso ao exterior sem supervisão.
E, sim, eu tenho dois animais adotados, fruto do abandono.