Deadpool & Wolverine. Super-heróis na idade da desconstrução: quase fascinante

O filme de Shawn Levy não é só uma paródia alimentada pelo esgotamento do género dos super-heróis, é também uma espécie de compêndio do “contemporâneo”.

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De verso em universo, de universo em multiverso, os filmes de super-heróis evoluíram até à sua própria versão, multiversão?, de uma pós-modernidade.

Deadpool & Wolverine é um filme de uma autoconsciência total, em que as personagens sabem que são personagens de um filme da Marvel, e o fazem notar sempre que podem, e até comentam as movimentações dentro da “indústria” (as primeiras frases do filme têm o verborreico Deadpool, o protótipo do super-herói de stand up, a comentar a compra da Fox pela Disney).

Mais, conhecem intimamente os códigos e as dinâmicas do género de super-heróis, a tal ponto que uns 80% dos diálogos são absolutamente auto-referenciais, notas de rodapés arrancadas ao rodapé, um comentário permanente, e permanentemente em desconstrução, da “acção” e das expectativas dos espectadores.

Deadpool & Wolverine conhece os espectadores com uma precisão milimétrica – por cada referência aos wokes e à “geração Z”, a plateia essencialmente composta por uma amostra geracional responde com uma gargalhada, sinal do reconhecimento de que este cinema não está apenas a falar com eles, mas dirige-se a eles, é feito para eles, quase exclusivamente (“quase”, porque na plateia também se encontram alguns homens de cabeça grisalha, cuja presença é mais difícil de explicar a partir do momento em que não podem ser todos críticos de cinema em missão profissional).

Porque o filme de Shawn Levy não é só uma paródia alimentada, quase cinicamente, pelo esgotamento do género dos super-heróis, é também, sobretudo nas preocupações e nos jogos de linguagem dos diálogos, uma espécie de compêndio do “contemporâneo”, no sentido que a palavra tem neste mundo rede-socializado (ou seja, reportando-se às trends das últimas três ou quatro semanas): como se fosse a reciclagem do ruído produzido por um dia de posts nas redes sociais (todas), e depois a pasta resultante fosse mergulhada num tanque que contivesse todo o lixo da cultura pop contemporânea (da música ao cinema, o que fatalmente implica mais filmes de super-heróis e outros versos e multiversos, como o de Mad Max), mas onde também estivesse, golpe de génio como a mosca n'A Mosca de Kurt Neumann e de David Cronenberg, um livro de Jorge Luis Borges.

Tudo é virtual, duplicado, multiplicado, espelhado, paralelo, alternativo – mesmo os corpos, sujeitos às mais atrozes violências físicas e logo a seguir recompostos, intactos, como personagens de Tex Avery (Deadpool e Wolverine são, neste sentido, Tom e Jerry). Nada é real, não há nada que incomode, strawberry fields, perdão, Deadpool & Wolverine forever. É quase fascinante.

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