Região do Douro vai produzir menos 19 mil pipas de vinho do Porto

A decisão está tomada. A publicação do quantitativo depende da possibilidade de o Governo viabilizar a compra pelo IVDP de alguns milhares de pipas para refrescar os vinhos velhos da ex-Casa do Douro.

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O número autorizado representa uma quebra de 45% em relação à colheita de 2000, ainda que o preço por pipa pago aos viticultores continue, em média, igual. Manuel Roberto/Arquivo Público
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A região do Douro só vai poder produzir 85 mil pipas de vinho do Porto nesta vindima. Serão menos 19 mil pipas do que no ano anterior, uma perda de receita da ordem dos 19 milhões de euros. A decisão foi tomada na passada sexta-feira por parte do Conselho Interprofissional do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) e só não foi anunciada (será ainda esta semana) porque persiste a expectativa de o Governo vir a autorizar a compra, por parte daquele instituto, de mais alguns milhares de pipas adicionais, usando verbas cativas de taxas pagas pelos viticultores.

Em 2020, na sequência da pandemia por covid-19, o Governo autorizou a constituição de uma reserva qualitativa de 10 mil pipas, financiadas em 50 por cento pelo IVDP, um descarado financiamento às grandes companhias do sector. Desta vez, a opção poderá passar por uma aquisição directa, destinada a refrescar os vinhos velhos que o Estado detém como penhor pelas dívidas da extinta Casa do Douro, que representava os viticultores.

O valor dessas dívidas situa-se próximo dos 150 milhões de euros, mas os vinhos que as suportam foram avaliados em mais de 170 milhões de euros. A futura Casa do Douro, cujo renascimento foi decretado por parte da Assembleia da República, ainda na anterior legislatura, poderá reassumir funções com diversos edifícios, um pequeno stock histórico de vinhos e ainda uma verba substancial em dinheiro, caso o actual Governo ratifique a avaliação dos vinhos que havia sido assumida pela anterior Secretaria de Estado do Tesouro.

Mesmo que os ministérios da Agricultura e das Finanças, que tutelam o IVDP, autorizem a compra de alguns milhares de pipas, esta será uma das produções de vinho do Porto mais baixas das últimas décadas. Em relação à vindima do ano 2000, por exemplo, em que foi autorizada a produção de 152 500 pipas, equivale a uma quebra da ordem dos 45 por cento. E o mais dramático é que o preço por pipa pago aos viticultores continua, em média, igual. Como se não bastasse, esta redução acontece num ano de enormes excedentes de vinho, devido aos quais milhares de pequenos viticultores vivem na iminência de não terem quem lhes compre as uvas.

A quebra contínua das vendas de vinho do Porto, apesar do aumento de consumo interno pelo efeito do turismo, a quem se deve o facto de Portugal ser, apenas desde há três anos, o principal destino deste vinho, é a causa directa do corte de 19 mil pipas na produção de Porto nesta vindima. Por vontade do comércio, seria ainda maior.

O representante das principais companhias do sector manteve-se irredutível nas 81 mil pipas, argumentando com os elevados stocks acumulados, os quais lhes conferem uma capacidade de venda da ordem dos 51% (de acordo com a chamada Lei do Terço, os comerciantes de vinho do Porto só podem vender um terço do stock disponível), quando o ideal seria andar um pouco acima dos 20 por cento. Defenderam-se também com a queda abrupta das vendas no passado mês de Junho, em comparação com o mesmo mês do ano passado, que tinha sido um dos melhores dos últimos anos (esse resultado, convém explicar, ficou a dever-se a vendas acima do normal por parte das empresas Symington e Fladgate Partnership, dona da Taylor’s, por causa das mudanças políticas e fiscais em Inglaterra). No agregado deste primeiro semestre, as quebras não deverão ser superiores a 7 por cento.

Os representantes dos produtores, por seu lado, iniciaram as discussões com uma proposta de 99 mil pipas. As duas profissões acabaram por chegar a acordo em torno das 85 mil pipas, mas com o representante do comércio a exigir que fique escrito em acta que esse valor foi imposto pela produção. Ou seja, se a situação se deteriorar ainda mais, já se sabe a quem serão atribuídas as responsabilidades.

A crise instalada no Douro mostra a falência do modelo organizacional e produtivo em que assenta a região, pensado para o tempo em que só produzia vinho do Porto. Com o nascimento da DOC Douro, no início dos anos 80 do século passado, uma parte da produção que antes ia para vinho do Porto passou a ser absorvida pelos novos vinhos tranquilos. O que prometia ser uma grande oportunidade acabou, com o tempo, por se tornar um estrondoso falhanço.

O preço das uvas para vinho do Porto não acompanhou o aumento brutal dos custos de produção e o excesso de oferta, por via da renovação e plantação de novas vinhas, de uvas para DOC Douro foi pressionando os preços, ao ponto de a maioria dos produtores ser obrigada a vender abaixo do custo de produção. E já se sabe: uvas baratas levam a vinhos baratos. Como se não bastasse, muitos operadores têm vindo a importar cada vez mais vinho de Espanha e a preços ainda mais baixos, agravando as distorções do mercado.

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