Bebés e crianças: Votos de um verão tremendamente pré-histórico!

Podemos começar por aproveitar estas férias: com tempo, contacto físico, imersão na natureza, brincar de sol a sol — e procurando ser pais mais atentos à nossa intuição.

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"Os primeiros três anos de vida oferecem oportunidades irrepetíveis de desenvolvimento cerebral" Shuvrasankha Pau/pexels
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Uma equipa de investigadores da Universidade de Cambridge chegou recentemente a uma conclusão desconfortável: provavelmente já fomos melhores a cuidar dos nossos filhos. Muitos dos comportamentos e das experiências de que depende o desenvolvimento humano estão em sério risco de extinção.

Em mais de 95% da história da evolução humana, vivemos como caçadores-recoletores. Durante milhões de anos, num processo lento e minucioso (como se quer em tudo o que é importante), o cérebro humano desenvolveu-se no sentido de precisar de determinadas condições para prosperar.

  • Contacto físico — muitíssimo, todos os dias, grande parte do dia e durante toda a noite, ao longo de anos.
  • Respostas sensíveis às necessidades das crianças — choro e outras solicitações atendidos com prontidão e consistência; os bebés e as crianças não são deixados sozinhos com o seu mal-estar.
  • Respeito pelo brincar, o verdadeiro trabalho da infância — do nascer ao pôr-do-sol, em grupos com várias idades, com a menor dose possível de supervisão dos adultos.
  • Aprender, fazendo — com oportunidades ilimitadas para observar, imitar e explorar livremente.
  • Quase metade dos cuidados assegurados por outros adultos próximos — um antídoto para a atual parentalidade intensiva, exaustiva e imensamente solitária.

A modernização tem acontecido a uma velocidade vertiginosa. E apesar de acontecer tendencialmente no sentido de prescindir cada vez mais do esforço humano, parece estar a sobrecarregar-nos de forma galopante. Este esforço, imenso para os adultos, reflete-se necessariamente nos que deles mais precisam: os bebés e as crianças.

Os primeiros três anos de vida oferecem oportunidades irrepetíveis de desenvolvimento cerebral. Longe de ser uma tela em branco, o cérebro humano assemelha-se mais a uma pintura por números. Estes números correspondem às células cerebrais, e as cores às experiências a que os bebés são expostos. As ligações que são ativadas com mais frequência fortalecem-se e as menos utilizadas extinguem-se. O tom exato que é utilizado em cada número não é propriamente rígido, mas convém que a gama de cores da obra final seja suficientemente harmoniosa.

É consensual que a vida atualmente é melhor, em quase todos os aspetos, do que na pré-história. Mas estamos num momento em que vale a pena ter a modéstia de aceitar algumas lições do nosso passado, enquanto espécie e sociedade. Os nossos filhos já não precisam de ser proficientes a encontrar alimento ou a saber defender-se de predadores — embora isso nos pudesse descansar. Somos obrigados a escolher todos os dias se abraçamos as crianças ou o trabalho, achando que é no segundo que somos insubstituíveis. Fomo-nos desviando do que nos é natural, mas as necessidades neurobiológicas mantêm-se intactas.

Como em tudo, há obviamente alguma plasticidade — uma margem de esforço que conseguimos tolerar sem que haja perturbação. Mas ultimamente, arriscamo-nos a tocar essa linha. Vão-nos valendo uma série de olhares muito atentos à infância, como é o caso dos pedopsiquiatras, cujas vozes ajudam a recentrar as discussões naquilo que mais importa: as pessoas. E as pessoas são, em larga medida, os seus cérebros aos três anos.

Problemas complexos têm, habitualmente, soluções pouco simples, mas talvez possamos começar por estas férias: com tempo, contacto físico, imersão na natureza, brincar de sol a sol e mais atenção à nossa intuição. Que este verão possa ser, para os bebés e crianças que tenham esse privilégio, tremendamente pré-histórico.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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