Preço das casas e inflação criam novas pessoas sem-abrigo, avisam as associações

Há cada vez mais pessoas a trabalhar de dia e a dormir na rua. Várias associações alertam que o preço das casas e a inflação atiraram pessoas integradas e saudáveis para a condição de sem-abrigo.

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Os dados mais recentes, referentes a 2022, indicam a existência de 10.700 pessoas na condição de sem-abrigo Paulo Pimenta
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O aumento do preço das casas e a inflação estão a criar um novo tipo de sem-abrigo em Portugal: pessoas integradas socialmente que são empurradas para a exclusão. É o alerta deixado pelas associações escutadas pela Agência Lusa que lidam com este problema e com a pobreza.

"Damos uma volta pela Gare do Oriente, Saldanha, Martim Moniz ou outras ruas de Lisboa (...) e dificilmente encontramos toxicodependentes ou alcoólicos" a viver nas ruas, como era o perfil das pessoas em condição de sem-abrigo no passado, disse o dirigente da associação Remar Luís Filipe Macedo. Agora são "pessoas saudáveis que estão a lutar pela vida", acrescentou.

Na véspera da apresentação no parlamento da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA) 2025-2030, o dirigente reconhece que há cada vez mais casos nas ruas.

"Temos notado que a situação dos sem-abrigo não melhora, não diminui. Cada vez há mais pessoas nas ruas, em locais não habituais", disse, dando o exemplo do serviço de refeições da sua associação. "Saímos sempre com três terrinas de sopa e 250 lanches e damos até acabar, mas muitas pessoas ficam sem receber uma refeição", explicou.

Para Luís Filipe Macedo, "este problema está a aumentar, com um novo perfil, mais imigrantes e mais novos"; e "custa ver como algumas pessoas estão a viver nalguns locais de Lisboa". O responsável apontou o aumento do preço das casas e do custo de vida como os principais factores para este fenómeno:"Alguns até poderão ter algum trabalho ou biscate, mas não têm condições para ter casa e ficam a viver em tendas", afirmou o dirigente da Remar.

Por seu turno, Sandra Câmara Pestana, responsável da associação Cais, recorda que a vocação da sua associação é acompanhar processos de reinserção, fornecendo lugares para residir e dando apoio na procura de emprego. Apesar disso, a Cais tem notado que existem mais casos de sem-abrigo e de exclusão social, alguns deles antigos utentes que agora se deparam com problemas económicos.

"As pessoas trabalham para sobreviver" e "vivem num limbo", considerou: "Se um casal fica no desemprego é um horror e a vida fica em suspenso." "As medidas inflacionistas que estamos a viver, a falta de habitação. Se as pessoas não têm habitação, não tem uma vida estável e sem isso não conseguem um emprego", salientou a dirigente da Cais.

No Porto, a associação apoiava "um casal que ia trabalhar todos os dias e vivia na rua", uma "situação que não é sustentável", exemplificou Sandra Câmara Pestana. Nos casos identificados, a associação Remar tenta "fazer o acolhimento", procurando dar-lhes dormida e outros cuidados de modo a auxiliar na integração. Mas é preciso que "eles queiram isso", salientou Luís Filipe Macedo.

No final de 2023, o coordenador da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA), Henrique Joaquim, admitiu um aumento do número de pessoas a viver na rua. Os dados mais recentes, referentes a 2022, indicam a existência de 10.700 pessoas na condição de sem-abrigo. O Alentejo, a Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve eram as regiões que registavam as proporções mais elevadas, respectivamente 2,13, 1,60 e 1,51 pessoas em situação de sem-abrigo por mil residentes.