A Doce Costa Leste cansa e irrita, planando sobre o pântano, sem sujar as mãos

Estreia de Sean Price Williams na realização, A Doce Costa Leste é, estruturalmente, uma espécie de versão hipster do recente Guerra Civil de Alex Garland.

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O filme A Doce Costa Leste estreia-se esta quinta-feira nas salas de cinema portuguesas
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Deve haver uma maneira de filmar o caos político-social da América contemporânea sem o fazer através de uma acumulação cínica de sinais de reconhecimento, e com outro grau de compromisso para além da exibição de um sentimento de superioridade que equivale, no fundo, a um voo sobre um pântano sem correr o risco de sujar lá as mãos.

Deve haver, mas não é em A Doce Costa Leste que se encontra, filme que cansa e irrita (por várias razões), mas sobretudo por funcionar numa constante carícia à “inteligência” que o espectador reclama para si próprio (obviamente) – e que maior sinal de “inteligência”, nestes nossos tempos de atomização social, do que o não-compromisso, do que o sobrevoo de tudo e de todos, na garantia de que não haverá nenhuma forma de implicação?

O filme de Sean Price Williams (que, como director de fotografia, é conhecido pelo seu trabalho com os irmãos Safdie ou Alex Ross Perry, e aqui se estreia na realização) nunca dá a volta a este cinismo de base, limita-se a explorá-lo, a fazer dele o seu espectáculo. Uma longa piscadela de olho; e, como num acto falhado, é mesmo com uma piscadela de olho ao espectador que a protagonista (Talia Ryder) se despede no último plano – que é como uma caricatura dos “olhares-câmara” que, há umas décadas, se tornaram quase uma assinatura da “modernidade”. Mas aqui é o espectador que tem vontade de perguntar: “O que é que quer dizer, dégueulasse?”

Estruturalmente, A Doce Costa Leste é uma espécie de versão hipster do recente Guerra Civil de Alex Garland. O “olhar” é semelhante (a mesma não-implicação caricatural), o movimento narrativo em road movie de acasos e encontros (com universitários nazis, com cineastas activistas negros, com terroristas, com conventos) vem também ao encontro do “mosaico”, da viagem num comboio-fantasma pleno de atracções. Nenhum episódio cresce para além da ilustração do frisson subjacente, e a passagem de uns episódios para outros, se está de acordo com a lógica geral de “painel”, parece sempre uma facilidade, uma maneira de fugir às consequências, um exercício de zapping.

É preciso muito boa vontade para ver no percurso da personagem de Talia Ryder uma variação sobre a Alice de Carroll ou sobre as personagens de Rivette em Céline et Julie Vont en Bateau – mas a personagem é tão vazia (não ao ponto de isso se tornar uma forma de crítica, dela ou do mundo pelos olhos dela) que é quase um template a pedir para ser preenchido pelas referências do espectador (mais uma vez, a piscadela de olho: dá lá tu, espectador, um sentido a esta mistela).

Williams, o virtuoso da câmara à mão que conhecemos bem do trabalho com os Safdie, raramente procura distância ou recuo, é uma mise en scène do “instante”, da “intensidade” – sem “olhar”, sem um propósito para o “olhar”: apenas agitação, descomprometimento, ironia que se mata a si própria, sem perturbar nem sequer realmente interpelar.

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