Os “bons”, os “maus” e os “assim-assim”: cuidado com os rótulos!
Nas questões da aprendizagem é fundamental saber dar tempo ao tempo, insistindo nas áreas em que as crianças revelam fragilidades e transmitindo-lhes confiança na possibilidade de as ultrapassarem.
Vivemos numa sociedade orientada para o sucesso, encarado enquanto passaporte para um futuro promissor. Neste contexto, tendemos a rotular precocemente as crianças de acordo com o seu desempenho escolar e as suas caraterísticas pessoais face à aprendizagem, arrumando-as em prateleiras nas quais é fácil entrar, mas das quais é difícil sair.
Consoante o nível de desempenho escolar dos alunos, colamos na prateleira o rótulo correspondente que, independentemente das menções qualitativas utilizadas, estabelece uma hierarquia entre o “bom”, o “mau” e o “assim-assim”. Mas, tão ou mais prejudicial do que estabelecer hierarquias quanto ao desempenho escolar, é rotular as próprias crianças com palavras que ferem, como “preguiçoso”, “desinteressado” ou “pouco esperto”.
A colagem de rótulos nas crianças em idades precoces, além de prematura, pode revelar-se perigosa. É demasiado prematura, na medida em que as crianças ainda estão a dar os primeiros passos na escolaridade e têm, naturalmente, ritmos de aprendizagens diferentes. Nesta fase, é possível que os alunos recuperem e avancem na aquisição de conhecimentos, com margens de progressão que, estando longe de ser lineares, podem ser surpreendentes. Nas questões da aprendizagem é fundamental saber dar tempo ao tempo, insistindo nas áreas em que as crianças revelam fragilidades e transmitindo-lhes confiança na possibilidade de as ultrapassarem.
E, sendo prematura, a criação de rótulos pode revelar-se perigosa, minando a imagem que as crianças têm de si próprias e interferindo com o seu potencial de aprendizagem, podendo mesmo sabotar a sua capacidade de evolução. Neste sentido, os rótulos acabam por funcionar como profecias que se autorrealizam, contribuindo para criar prognósticos para a evolução dos alunos, de acordo com os quais estes tendem a agir.
Em conformidade com essas profecias autoconfirmatórias, os rótulos colam-se às crianças como uma segunda pele, minando a sua autoestima e interferindo com as suas expetativas. É que os rótulos não afetam apenas o passado e o presente das crianças — projetam-se também no seu futuro, levando-as a elevar ou a baixar as expetativas sobre as suas próprias capacidades de progressão, de modo a encaixar-se no papel que lhes foi previamente destinado.
Por todos estes motivos, a colagem de rótulos deve ser evitada, enquanto a valorização de cada aluno, de acordo com o seu perfil, deve ser incrementada. Os pais e os professores devem ter a capacidade de ler a individualidade de cada criança, de a apoiar na superação das suas fragilidades e de reconhecer os seus progressos. Pode fazer — e faz certamente — toda a diferença ter a sabedoria de ver sempre o copo meio cheio, mantendo a esperança e festejando as conquistas realizadas.
Contudo, evitar os rótulos não significa desvalorizar o brio que cada um deve ter na realização das suas tarefas, nem tão-pouco diminuir expetativas, nivelando por baixo, num patamar conotado com a mediocridade. O que muda é essencialmente a perspetiva, de acordo com a qual o mais importante não é ser melhor do que os outros, mas sim dar o melhor de si próprio. Segundo esta visão, em vez de as crianças estarem constantemente a ser comparadas com as restantes, devem sê-lo essencialmente consigo próprias, de modo a desenvolverem uma autoconsciência do ponto em que estão no seu processo de aprendizagem e a perceberem qual o investimento que devem fazer para evoluírem.
Para essa tomada de consciência, é naturalmente relevante refletir com as crianças sobre a sua prestação perante a aprendizagem, mas as observações devem incidir sobre as suas atitudes e não sobre a sua personalidade. Ou seja, pode chamar-se a atenção para a necessidade de serem mais rápidas a terminar as tarefas, mas devem evitar rotulá-las como sendo “lentas”.
Pelo contrário, a tendência para estabelecer constantemente comparações com o desempenho escolar dos irmãos, dos primos, dos colegas da escola ou dos filhos dos amigos que frequentam os outros estabelecimentos de ensino pode ter um impacto negativo nas crianças que saem a perder na confrontação. É que a comparação não só não resolve os problemas destas últimas, como até pode agravar a desvantagem, se comprometer a visão que têm de si próprias e da sua prestação na aprendizagem.
Sem o peso dos rótulos e das comparações com os pares, as crianças ficam disponíveis para a cooperação com os colegas que, nos primeiros anos de escolaridade, é mais construtiva para a evolução a nível escolar do que a competição. Em interação umas com as outras e apoiando-se mutuamente, tiram partido da sua linguagem proximal para colaborarem nas tarefas e progredirem, em conjunto, nas aprendizagens.
Como é lógico, dar tempo ao tempo não significa deixar andar. Quando, depois de dar um tempo, se verifica que a criança não está a conseguir avançar como previsto, é necessário agir da forma adequada, sem protelar as medidas consideradas ajustadas. É que, nas questões de aprendizagem, há janelas de oportunidade que não podem ser perdidas. E o tempo pode valer ouro.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990