Em cada Ilicic há um Josip. Na Eslovénia, Sesko precisa de ambos
Espera-se mais da Dinamarca, mas há, nos eslovenos, talento atrás, à frente e no meio. Ilicic, depois das trevas da saúde mental, está de volta para ajudar um projecto de craque mundial.
Em 2021, em plenos Jogos Olímpicos, Simone Biles gritou e fê-lo para todo o mundo ouvir: a saúde mental dos atletas não é uma brincadeira. Com isso, desbloqueou muitos outros.
Quando entrar em campo no Eslovénia-Dinamarca (17h, Sport TV1), Josip Ilicic vai fechar um capítulo negro – ou talvez nunca o feche por completo. Aos 36 anos, depois de lutar contra problemas de saúde mental, regressou à selecção, três anos depois, para ajudar com talento, mas não só.
Em cada futebolista Ilicic há um homem Josip. E, na Eslovénia, Benjamin Sesko, a caminho de ser um craque de nível mundial, precisa dos dois.
A saúde mental
Neste Europeu, aquilo que a Eslovénia possa vir a fazer depende, em boa medida, do desempenho de Oblak, na baliza, e de Sesko, no ataque. Pelo meio, mesmo que não durante 90 minutos, poderá andar por lá a “cola” de tudo isto: Josip Ilicic.
Entre rumores de problemas conjugais e ansiedade com a pandemia de covid-19, Ilicic deixou-se afundar na depressão e numa teia de heroísmo à qual muitos atletas se prestam, assumindo o papel de figuras todas-poderosas. Ilicic não é todo-poderoso e a sua carreira ficou à beira do fim.
“Não só sofrem em silêncio como o fazem para não darem parte fraca. Eles acreditam que mostrarem essa fragilidade os torna mais fracos”, chegou a explicar ao PÚBLICO o psicólogo do desporto Jorge Silvério, sobre Biles. “Não é por acaso que há alguns anos não se falava de saúde mental nos atletas. Agora, será muito mais fácil para outros assumirem estes problemas, porque eles pensam sempre que são os únicos, mas depois vêem que até os super-atletas passam por isto”, acrescentou.
Ilicic, como Biles, teve de parar. Deixou a Atalanta, onde era figura de destaque, e regressou à Eslovénia, para se tratar em casa.
Gasperini, treinador do clube italiano, chegou a fazer um relato brutal dos problemas de Ilicic. “A nossa mente é uma selva. Se é difícil para psicólogos [identificar o problema de Ilicic], imaginem para nós. Os médicos não nos dão respostas e eu também não consigo dar”, apontou. E contou, citado pelo Corriere dello Sport: “Fui ver o Ilicic numa clínica: ele tinha perdido dez quilos. Quando o encontrei, parecia um manequim".
Talento de Ilicic de volta
No Maribor, Ilicic pôde voltar a jogar futebol. Com claro excesso de peso, sim, mas num contexto competitivo no qual isso não era um entrave. Resultado: nove golos e 12 assistências na temporada e a certeza de que cumpria os mínimos físicos e futebolísticos para voltar a ser relevante na selecção.
Não jogava pela Eslovénia desde 2021, mas regressou nos particulares pré-Europeu, com uma missão dupla. Vai ser o craque a quem podem entregar a bola, porque qualidade técnica, experiência e qualidade a definir e finalizar nunca lhe faltarão – em Itália, fez uma carreira de muitos golos e assistências, mesmo não sendo um avançado.
A segunda dimensão da chamada de Ilicic é para servir de “avô” para o “neto” Sesko. Pode fazê-lo como Ilicic, servindo-o com qualidade em campo, e como Josip, dando-lhe, fora dele, o amparo a a tarimba de quem já leva muitos anos de vida e de futebol.
Aquilo que os eslovenos poderão fazer no Europeu – e também que possam vir a fazer no futuro – dependerá do que possa vir dos pés do avançado do Leipzig.
Mais técnica do que Haaland
Não é uma aposta audaz dizer que Sesko vai marcar o futebol europeu, tal é a qualidade do jogador de 21 anos.
Comparado a Erling Haaland, pela conjugação de físico, velocidade e finalização, Sesko, que odeia essa conversa, pode vir a provar que essa é uma comparação injusta – para ele, não para Haaland.
Com uma qualidade técnica bem superior à do norueguês, Sesko é um protótipo algo bizarro. Tem quase dois metros, mas uma velocidade tremenda, que o coloca no top 15 da Bundesliga nessa métrica. Ao contrário de Haaland, dependente do pé esquerdo, Sesko é bastante mais capaz de usar os dois pés, algo provado pela distribuição dos golos que marcou nesta temporada.
A técnica que tem permite-lhe dar soluções em apoio frontal, tirando a bola “limpa” das zonas de pressão, e também encarar adversários em drible, podendo ser um jogador bastante mais auto-suficiente do que Haaland.
Tem um rácio de finalização menor do que o norueguês, e isso não pode ser descurado, mas, aos 21 anos, parece ter um lote de recursos bastante mais variado – e difícil de encontrar num só jogador.