O primeiro golo do Euro 2024 foi de Florian Wirtz, o intérprete do espaço

O craque do Bayer Leverkusen marcou o primeiro golo do Euro 2024. Tem nove irmãos e poucos amigos na sua terra natal, Colónia.

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Florian Wirtz, avançado da Alemanha Angelika Warmuth / REUTERS
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O futebolês internacional tem palavras maravilhosas para funções específicas. O líbero, o regista, o trequartista, o volante, o ponta-de-lança, o falso nove, todos eles termos mais refinados para um futebolista com determinadas características do que a descrição mais simplista de defesa, médio e avançado. “Ich bin ein Raumdeuter”, foi a contribuição linguística de Thomas Muller, avançado alemão, para esse futebolês, quando lhe pediram para se descrever a si próprio. “Eu sou um intérprete de espaço”, é como Muller olha o que faz em campo. Pensava-se que ele era único. Não é. Florian Wirtz, seu colega na “Mannschaft”, também é um “raumdeuter”.

Wirtz marcou o primeiro golo do Euro 2024, que foi o ponto de partida para uma goleada de 5-1 da selecção alemã sobre a Escócia no Allianz Arena em Munique. Entre o momento em que a bola saiu dos pés de Kimmich até ao momento em que ficou ao seu alcance à entrada da área escocesa, Wirtz fez os cálculos necessários para perceber qual dos caminhos lhe garantia o sucesso. Viu o espaço e, entre pernas escocesas e alemãs, direccionou o remate para a baliza – Angus Gunn ainda tocou na bola, mas sem lhe conseguir alterar o destino.

É por coisas como esta, e pelo que tem feito no Bayer Leverkusen há quatro épocas e meia, que os alemães olham para Wirtz como o novo “intérprete do espaço”, aquele cuja melhor parte futebolística do corpo é o cérebro.

“Os alemães têm essa palavra para descrever um jogador com capacidade para entender o jogo. O Wirtz, tal como o Muller, consegue ler o jogo de forma a conseguir, em simultâneo, criar e explorar espaço para ele próprio e para os colegas. Mas essa palavra até parece redutora para ele. Ele interpreta o espaço ao nível dos verdadeiramente grandes – jogadores como Messi, ou Busquets”, dizia há poucos dias Jon McKenzie, analista de futebol, ao jornal alemão Deutsche Welle.

Talvez Wirtz seja até mais do que isso, mas os seus números, sobretudo na última temporada, em que liderou o Leverkusen para um inédito título na Bundesliga, sugerem um perfil semelhante ao do “raumdeuter” original Thomas Muller. Foram 18 golos e 19 assistências em todas as competições, o seu segundo “duplo duplo” da sua ainda curta carreira, que ajudam a descrever o que ele é como jogador: um médio ofensivo destro com tendência para descair para a esquerda, com capacidade para receber sob pressão e, claro, habilidade natural para rematar, driblar ou assistir.

Aos 21 anos, Wirtz já deixou a salivar as equipas com os bolsos mais fundos do futebol europeu, mas, por enquanto, parece seguir os passos do seu treinador, Xabi Alonso, que não cedeu ao apelo da Premier League para substituir Klopp no Liverpool. É que Wirtz deve ao Leverkusen o seu crescimento e, sobretudo, a entrada na ribalta quando ainda era adolescente – e tem crescido enormidades desde Janeiro de 2020, quando foi contratado por uma ninharia, 200 mil euros, ao Colónia.

Família numerosa

Florian Wirtz nasceu em Brauweiler, uma localidade a cerca de 15 quilómetros do centro de Colónia – tem nove irmãos, um deles, uma rapariga, que também joga futebol profissional. Começou por jogar no clube local, que é do pai. Aos sete anos, em 2010, seguiu para o Colónia e por ali se mostrou como um talento excepcional, sendo ele a figura central do título de campeão germânico de sub-17. Wirtz era um rapaz da casa que iria ajudar o clube, que já foi três vezes campeão da Alemanha, a renascer. Já muita gente andava de olho nele, dentro e fora da Alemanha, mas foi o destino que escolheu que o Colónia encarou como traição.

Porque entendia que havia um pacto de não agressão com o vizinho de Leverkusen (20km separam as duas cidades) no que diz respeito a jogadores da formação. A verdade é que foi uma decisão familiar – a mãe queria que ele terminasse os estudos perto de casa – e o Bayer argumentou que já não estava a contratar para a formação, mas para a primeira equipa. Foi logo integrado nos séniores, estreando-se a 18 de Maio de 2020, com apenas 17 anos e 15 dias. Pouco depois, a 6 de Junho e com 17 anos e 34 dias, estreou-se a marcar pelo Bayer, frente ao Bayern Munique – em ambos, bateu o recorde de precocidade estabelecido por outro prodígio feito em Leverkusen, Kai Havertz.

Na época seguinte já era um fixo na primeira equipa do Bayer Leverkusen, sempre em ascenção, apenas travado por uma lesão em Março de 2022 que o deixou vários meses afastado dos relvados. Quando voltou, já Xabi Alonso tinha chegado e, com ele, fez história no clube. Até quando, depende da capacidade de resistência do Leverkusen (tem contrato até 2027) e da impaciência de quem o quiser (não faltarão pretendentes). Isso ficará para depois. Agora, é hora de interpretar o espaço pela “Mannschaft”.

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