Quinta de Paços, um tratado sobre as virtudes da paciência
Desafiar convenções é uma tradição na Quinta de Paços, que, apesar de ir já na 16.ª geração, mantém o espírito pioneiro. Cada prova de vinhos é todo um tratado sobre histórias da família e da região.
A prova vai já na recta final quando Paulo Graça Ramos abre uma garrafa de Arinto Reserva 2021. Na Quinta de Paços, não há vinho sem um motivo – e uma particularidade do anfitrião são as histórias que desfia de cada vez que abre uma garrafa. Esta não é excepção.
“Foi um dos primeiros vinhos que fiz”, conta. Na altura, foi criticado por não usar a designação regional para a casta, pedernã. “O que eu queria era vender vinho”, admite, justificando a escolha de uma designação mais amplamente reconhecida pelos consumidores. Não faltou quem o criticasse. “Pois, no ano seguinte contei uns 14 arintos aqui na região”, conclui com satisfação.
Se a sorte protege os audazes, o tempo tem o dom de fazer justiça a quem não tem pressa em ter razão – e Paulo não parece particularmente dado a pressas ou alardes. No seu jeito gentil, sorridente, fala com tranquilidade e temperança mesmo quando critica uma lei de que discorda, quando recorda uma derrota pessoal ou quando comenta uma deslealdade por parte de um concorrente, cuja identidade recusa revelar.
Ainda sobre o tal arinto, tem um pouco de curtimenta, que lhe acentua a tonalidade: “Há uns anos, não conseguiria vender esta cor. Hoje chamam-lhe um figo”, conclui, com visível satisfação. Nada como saber esperar, para que o tempo nos dê razão.
Assunto de família
Paulo Graça Ramos pertence à 15.ª geração da família à frente da Quinta de Paços, com base na informação documentada, que remonta a 1585, ano da morte do seu antepassado Tomé Gonçalves da Silva. E as profundas raízes familiares vêm regularmente à conversa em cada vinho que dá a provar.
O Loureiro Reserva 2021 é um óptimo pretexto para recordar a primeira vinha plantada pelo pai, que Paulo refere como revolucionária, não só por datar de 1974, mas por ter sido plantada em contínuo, “quando toda a gente lhe dizia, ‘Não é assim que se faz aqui’” – pois, hoje é exactamente assim que se faz aqui. Para apresentar o Family Blend 2022 – “O vinho da minha juventude”, conta –, explica que procurou seguir a combinação de castas que era hábito da casa nas gerações anteriores. E lembra a resposta que o tio-avô lhe deu quando, ainda criança, lhe perguntou por que motivo o vinho que hoje se chama Reserva Especial não tinha gás – “Porque nós fazemos vinho.”
É fácil de perceber que o estilo imediato, marcado pela doçura pronunciada, a adição de gás e a acidez elevada – que para muitos consumidores é sinónimo de Vinhos Verdes como se de um tipo de vinho se tratasse –, não faz o género da Quinta de Paços. Aliás, desafiar as convenções sobre o que são os vinhos da região parece ser a bússola do produtor. E não é coisa que tenha começado com Paulo.
Nos anos 1970, já o seu tio-avô fazia bâtonnage, estágios em barrica e abdicava do uso de açúcar para provocar a fermentação em garrafa que iria originar o gás. E, recorda Paulo, “Nunca nos deixava beber o alvarinho até passar um ano de ele ter sido colhido”. Também a ele o tempo veio dar razão.
Nos 9 hectares de vinha da propriedade no concelho de Barcelos, a que se juntam outros tantos em Monção, berço das referências Casa do Capitão-Mor, Paulo procura, também ele, preparar o futuro. A operação em produção integrada – que só não é biológica “porque aqui não se consegue [rentabilizar], uma vez que esta é, porventura, uma da regiões mundiais com maior índice de pluviosidade” – é disso exemplo. Outro exemplo é o uso, ainda experimental, da flor dos castanheiros centenários que persistem no centro da vinha para reduzir a aplicação de sulfuroso no vinho. Assim como a escolha de castas mais resistentes, como a padeiro, que aguenta temperaturas mais elevadas e permite colheitas mais precoces, resultando em vinhos de graduação alcoólica mais moderada.
A questão climática traz à conversa a gestão de recursos hídricos, que por sua vez desagua nos solos. Paulo aproxima-se de uma mancha de carvalhos, que tanto serve de abrigo de biodiversidade como de barreira para proteger a vinha virada a nascente. Ali, a movimentação de terras que configurou a vinha deixou a descoberto um corte de perfil do terreno, de onde desponta um emaranhado de raízes. Paulo lança a mão ao maciço rochoso e este esboroa-se entre os seus dedos. “Granito em decomposição”, diz. As vantagens que esta característica pode ter na videira e no vinho são amplas, mas o cicerone opta por ser parco em palavras, a bem da síntese. “Isso dava para todo um tratado”, atira, e logo acrescenta, acentuando o ponto final, “Cria boa drenagem”.
O vinho dos senhores e o dos criados
De volta à sala de provas. E ao repertório de histórias que Paulo Graça Ramos tem para cada vinho. A propósito do Reserva Especial, descreve-o como “uma recriação do vinho dos senhores”, aquele que historicamente se produzia na quinta – diametralmente oposto do chamado “vinho dos criados”, mais ácido e desequilibrado.
O “dos senhores”, Paulo recorda-se de bebê-lo na sua juventude e de “serem vinhos mais largos em termos de boca, sem aquela acidez acutilante”. Este, o de 2019, passou 16 meses em borras finas, que lhe acrescentam cremosidade, volume de boca. Aliás, a passagem por borras é, a par da bâtonnage, uma característica transversal a praticamente todo o portefólio da casa. E explicá-lo daria, uma vez mais, “todo um tratado”.
As provas, por norma, acontecem no solar quatrocentista da quinta, numa sala povoada de evocações do longo historial familiar. Impõe-se a questão: da geração que se segue, já há quem se chegue à frente para dar continuidade ao legado? Paulo tem dois filhos, a mais velha com 24 anos, o mais novo com 21, que, aos poucos, se têm vindo a envolver, de forma crescente, no negócio de família. A paciência para esperar, uma vez mais, é uma virtude preciosa. Até porque, também isto das famílias “daria todo um tratado”.
Quinta de Paços
Rua Teotónio Fonseca, 171, Rio Côvo (Barcelos)
GPS: 41.4919, -8.5767
Tel.: 961450809
Web: facebook.com/quintadepacos
Visitas com prova a partir de 14 euros por pessoa
Este artigo foi publicado na edição n.º 12 da revista Singular.
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