Alegria no trabalho
Uma residência artística de Adélia Carvalho e Marla Cruz Linares na fábrica da Vista Alegre, em Ílhavo, resultou neste livro. Podia ser sobre outra fábrica de porcelanas, desde que feliz.
Para assinalar as comemorações do bicentenário da Vista Alegre, a marca desafiou uma autora para que escrevesse uma história para crianças sobre uma fábrica de porcelanas. “Inspirei-me nalguns momentos da fábrica e tentei criar uma história que não ficasse presa unicamente à empresa, pudesse ser lida por diversos públicos e que vivesse também fora da marca”, diz ao PÚBLICO Adélia Carvalho, que passou uma semana entre funcionários, tintas, engrenagens e moradores que ainda habitam no bairro da Vista Alegre. “Contaram-me histórias fabulosas.”
A escritora inteirou-se da dinâmica da produção e de alguns mistérios e segredos. A partir daí, pôs-se a “ficcionar e efabular a propósito de uma fábrica de porcelanas”, descreve.
Mas “esta fábrica não é apenas um local de trabalho, é também um lugar cheio de magia e criatividade, e de alegria contagiante, em que cada objecto é muito mais do que simples cerâmica”.
A história começa com o som da sirene que anuncia o início de um dia de trabalho. “A fábrica abre as portas, como se elas fossem dois grandes braços, e todos entram alegremente. As bicicletas ficam no estaleiro e cada um vai para o seu lugar. Pelo caminho, não param de se cumprimentar com bom humor: Bom dia, João. Bom dia, Amélia. Bom dia, António. Bom dia, Filipa. Bom dia, Joaquina. Bom dia, Manuel. Bom dia, bom dia, bom dia.”
Suspeita-se de que, à noite, enquanto as máquinas estão paradas e silenciosas, as peças saem do lugar e divertem-se umas com as outras. “Enquanto o bairro adormece, as louças ganham vida e começam a sair das prateleiras. Pássaros, peixes, cães, cavalos, javalis, meninos, meninas, senhoras e senhores encaminham-se para a sala de jantar. E que bem vestidos que vão, muito elegantes e sofisticados, de acordo com a sua condição. As chávenas levam vestidos coloridos e estampas delicadas. Os pratos, gravatas e coletes brilhantes. As terrinas, pequenos aventais que dão um toque charmoso ao seu visual.”
À também editora e livreira, juntou-se Marla Cruz Linares (Marla XL), ilustradora cubana a viver em Portugal, que diz ao PÚBLICO via email o que foi marcante além do processo habitual de leitura e releitura do texto, de investigar o tema, riscar e fazer apontamentos dos detalhes que vai achando interessantes: “Tive a oportunidade de visitar a fábrica, além do seu museu e as instalações todas, com as funcionárias da empresa. Foi um privilégio conhecer de muito perto a vida fabril que ali ocorre. Ver os trabalhadores nas suas rotinas, as prateleiras com as peças em produção, os fornos e máquinas em andamento. Eu estava a viver aquela magia da história… e isso, definitivamente, foi a inspiração para criar as ilustrações.”
Livro dividido visualmente em dois: dia e noite
Adélia Carvalho fala dos residentes no bairro da fábrica: “Todos eles sentem a fábrica e o bairro como um lugar muito especial, um bairro alegre, cheio de vida e com uma fábrica alegre. Foi isso que tentei colocar nesta história.”
Já Marla XL diz ter desfrutado muito do facto de ter misturado e criado personagens do seu imaginário com a representação de peças que viu na fábrica e no museu. “Imaginá-las a ganhar vida, depois de as ter visto todas juntas na fábrica, foi muito fácil. Se as pessoas que conhecem e gostam da Vista Alegre identificarem peças icónicas no livro, é a minha forma de homenagear esta marca bicentenária”, diz. Para concluir: “Assim, o livro não é só para miúdos, é para todos aqueles que admiram a maravilha e a magia que com certeza têm as suas peças de louça.”
Uma decisão importante no desenvolvimento do livro foi a de o dividir visualmente em dois, “fazer notar as dinâmicas do dia e cativar depois com a magia do que acontecia à noite”. Conseguiu-o através do uso das cores. O efeito é bonito.
“As ilustrações finais foram desenvolvidas digitalmente, com a revisão da editora e alguns apontamentos, enquanto ficavam definidas as cores e acrescentávamos texturas e pequenos ajustes de composição”, recorda.
O livro é apresentado neste domingo, 11 de Maio, no Onomatopeia — Festival de Literatura Infanto-Juvenil de Valongo, entre as 10h00 e as 13h00, em conjunto com outras obras, na tenda instalada no Largo do Centenário.
Pelo sim, pelo não, vá espreitando as prateleiras das suas porcelanas durante a noite. Pode andar a perder um espectáculo terno e alegre.