Empresas pagam “fugas tropicais” aos trabalhadores com alergias no Japão

A Primavera pode ser um pesadelo para os mais alérgicos. No Japão, empresas incentivam os trabalhadores a mudarem-se para zonas com menos concentração de pólen. A medida tem feito sucesso.

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A febre dos fenos foi declarada como "doença nacional", no Japão Getty Images
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A Primavera é uma época infeliz para milhões de japoneses. Um deles é Naoki Shigihara, cujos sintomas de febre dos fenos dificultam a concentração no trabalho. Felizmente para ele, a empresa de tecnologia da informação onde trabalha, a Aisaac, oferece um programa de “fuga tropical”, que permite aos empregados trabalharem remotamente a partir de outras regiões do país, com contagens de pólen mais baixas. A empresa até se oferece para pagar a deslocação temporária, até aos 1200 euros.

"Senti definitivamente que os sintomas estavam a desaparecer e o facto de estar em Okinawa foi óptimo", disse Shigihara, um engenheiro de 20 anos que aproveitou as políticas flexíveis da empresa nos últimos dois anos, mudando-se para a ilha tropical de Okinawa, no sul do Japão. "Depois de regressar a Tóquio, os meus sintomas começaram a agravar-se de novo", admite.

A época da febre dos fenos no Japão, que atinge o pico entre finais de Fevereiro e meados de Abril, não é apenas um incómodo para aqueles que passam toda a Primavera com espirros e comichão por causa das alergias. É um problema de saúde pública que tem um preço para a economia japonesa, uma vez que milhões de empregados adoecem todas as Primaveras.

Em 2019, mais de 40% da população japonesa já tinha sentido algum tipo de sintomas da febre dos fenos, de acordo com a Sociedade Japonesa de Imunologia, Alergologia e Infecção em Otorrinolaringologia. Isto significa que a população japonesa afectada pela febre dos fenos é proporcionalmente mais elevada do que a média global (entre 10 e 30%), de acordo com a Organização Mundial de Saúde.

Actualmente, o governo japonês e algumas empresas estão a tomar medidas para ajudar a aliviar os efeitos da alergia.

No ano passado, o primeiro-ministro Fumio Kishida declarou a febre dos fenos como uma "doença nacional", afirmando que tinha "um enorme impacto na produtividade". Um inquérito a empresas privadas, realizado pela Panasonic Corporation, estimou as perdas económicas decorrentes da diminuição da produtividade dos trabalhadores durante a época das alergias em 1,5 mil milhões de dólares por dia.

Cerca de 20% das empresas japonesas estão a permitir o trabalho à distância durante a época da febre dos fenos, de acordo com um inquérito do Ministério da Economia, Comércio e Indústria. Algumas, como a Aisaac, estão até a comparticipar os custos.

O governo aumentou o orçamento para contramedidas e planeia reduzir, durante a próxima década, 20% das florestas de cedro plantadas artificialmente, substituindo-as por outras árvores que produzam menos pólen. A gravidade do problema da febre dos fenos no Japão deve-se aos cedros e ciprestes que foram plantados no Japão através de um programa de reflorestação do pós-guerra para apoiar a indústria de construção em expansão no país.

As árvores são nativas do Japão mas foram plantadas numa concentração mais densa do que se tivessem crescido naturalmente. Actualmente, os cedros e ciprestes representam 28% das florestas do Japão, de acordo com o Ministério da Agricultura, Florestas e Pescas.

A época das alergias está a começar mais cedo e a durar mais tempo devido ao aquecimento global, segundo os especialistas, o que faz com que o cedro e outras árvores que provocam alergias amadureçam mais rapidamente e gerem mais pólen. As alergias ao pólen estão a agravar-se a nível mundial devido às alterações climáticas, com o aumento das temperaturas na Primavera e a libertação de pólen pelas plantas mais cedo e por períodos mais longos, de acordo com o Fórum Económico Mundial. A concentração de pólen de cedro na primavera de 2023 atingiu um máximo de dez anos em algumas regiões do Japão.

"A alergia à febre dos fenos tem um enorme impacto na sociedade japonesa", afirma Minoru Gotoh, professor de otorrinolaringologia no Hospital Tama Nagayama, em Tóquio. "Ao contrário de outros pólenes da Europa ou da América do Norte, que não se espalham tão longe, o pólen do cedro afecta uma área muito mais vasta porque se dispersa por várias dezenas de quilómetros."

Ter ou não ter alergias

A febre dos fenos é tão comum no Japão que as pessoas costumam dizer que, se ainda não se é alérgico, é apenas uma questão de tempo até ser. É a chamada "teoria da chávena" e é discutida frequentemente nos meios de comunicação japoneses: a teoria imagina o corpo humano como um copo, no qual o pólen se acumula ao longo do tempo, desenvolvendo anticorpos para combater os sintomas alérgicos. Quando a "chávena" transborda de pólen é quando se desenvolvem os sintomas, tal como aconteceu com Shigihara, que começou a sofrer de alergias há dois anos.

Mas a teoria não explica porque é que as crianças também sofrem de febre dos fenos, observam os especialistas. Isso levou à "teoria do sobe e desce", que descreve um equilíbrio que o corpo mantém entre os seus sistemas imunitários, como um sobe e desce. Um dos lados combate os vírus e o outro as alergias. A exposição excessiva ao pólen sobrecarrega o sistema imunitário que combate as alergias, alterando o equilíbrio entre os dois sistemas e provocando sintomas.

Mitsuhiro Okano, professor de otorrinolaringologia no Hospital Narita da Universidade Internacional de Saúde e Bem-Estar, na cidade de Chiba, estima que os sintomas graves da febre dos fenos podem prejudicar a eficiência do trabalho em mais de 30%, tornando a perda económica nacional uma preocupação real. Okano diz que, de acordo com dados do governo japonês, os custos de tratamento médico relacionados com as alergias à febre dos fenos totalizam cerca de 2,4 mil milhões de dólares por ano e 264 milhões de dólares são gastos em medicamentos de venda livre.

"O declínio da produtividade do trabalho tem o maior impacto na economia", revela Okano. "As medidas actualmente tomadas pelas empresas podem ter alguma eficácia mas ainda não são suficientemente generalizadas".

Rina Tada, uma engenheira de sistemas de 35 anos, de Tóquio, é uma das pessoas que sofrem nesta altura do ano. Os sintomas incluem corrimento nasal, espirros e comichão nos olhos, garganta, ouvidos e pele. "É tão mau que tenho de usar constantemente uma máscara e não consigo adormecer à noite sem tomar medicação", conta. Para lidar com a situação, usa uma variedade de medicamentos que aliviam os sintomas.

Embora a entidade patronal de Rina não ofereça apoio, muitas empresas japonesas estão a pagar cada vez mais subsídios para a febre dos fenos de forma a manter os trabalhadores saudáveis e produtivos. Durante a época das alergias, cobrem os custos das despesas médicas, sprays nasais, lenços de papel, máscaras e gotas para os olhos.

O programa de “fuga tropical" da Aisaac, por exemplo, permite que os empregados se desloquem para qualquer lugar com baixos níveis de pólen, de meados de Fevereiro a meados de Abril. Os destinos domésticos mais comuns são as ilhas de Okinawa e Amami Oshima, no sudoeste do país, ou a ilha de Hokkaido, no norte. Alguns trabalhadores também se deslocam a Guam ou ao Havai.

Os voos para a ilha têm um custo entre os 200 e os 400 dólares. A ideia surgiu em 2022. O director executivo da Aisaac, que também sofre de sintomas graves da febre dos fenos, precisava de passar algum tempo fora de Tóquio, assim que a Primavera chegava. Em 2023, mais de um terço dos 185 trabalhadores da empresa participaram no programa, explica Shihomi Yamamoto, porta-voz da empresa.

Shigihara, o empregado da Aisaac, disse que se inscreveu assim que soube do projecto através de um colega. A cada Primavera, sente o nariz entupido e a pingar. No ano passado, passou dez dias em Okinawa. Este ano, esteve quatro dias em trabalho remoto e já planeia uma nova visita, para o próximo ano. "Quando falo com pessoas de outras empresas, todas concordam que é uma óptima ideia, e muitas têm inveja", revela. "Quase toda a gente à minha volta sofre de febre dos fenos e costumam ir aos hospitais. É realmente um problema sério no Japão”.

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