Back to Black, sobre Amy Winehouse, é música de elevador
O filme de Sam Taylor-Johnson sobre Amy Winehouse é uma versão higienizada de uma história conhecida.
Está ainda por decidir a definitiva relevância de Amy Winehouse no firmamento musical, visto que a sua morte prematura que fez dela um membro do trágico "clube dos 27" deixou por perceber a que é pertencia a sua voz, se ao jazz, uma vez que apregoava o seu amor a Sarah Vaughan, se à torch song, uma vez que as suas canções eram escritas com os seus lamentos sentimentais, se à pop. Ou se a tudo isso junto, porque de tudo isso havia sinais nos álbuns Frank (2003) e Back to Black (2006), como num combo de easy listening — isto é, e sem qualquer desprimor, de música "fácil de ouvir".
O seu desaparecimento em 23 de Julho de 2011 por intoxicação alcoólica, na sua casa de Camden, em Londres, não facilita as coisas porque a herança da cantora/compositora ficou congelada num trono intocável, deixando qualquer ouvinte emocionalmente refém. Não se pode dizer nada sobre Amy Winehouse que não corra o risco de parecer insensibilidade perante uma exposição tão trágica, uma fria, clínica incisão na memória e no património de quem se abandonou de forma tão nua à desintegração nos palcos — imagens, já agora, que parecem sobrepor-se a tudo e andam para aí disponíveis ao voyeurismo mórbido.
Se é difícil ser definitivo em relação ao legado de Amy Winehouse, já não é arriscado dizer que Back to Black, o filme de Sam Taylor-Johnson, é "música de elevador". Então comparado com Amy (2015), documentário de Asif Kapadia, aquilo que concretiza Sam Taylor-Johnson parece uma versão higienizada de uma história conhecida.
Há um dilema nisto. O mergulho dado por Kapadia no tumulto familiar, social e industrial, em suma, numa era e nos seus rituais e práticas aceites, estava sempre em equilíbrio ético periclitante: nunca diabolizava esse mundo, o que seria hipócrita uma vez que Amy parecia justificar os meios que utilizava com a exposição que a própria cantora se autorizou, mas ao não questionar o que contava e mostrava, e muitas vezes fazia-o no risco da indecência, acabava a fazer tangentes ao mundo e às práticas que expunha; a sua força, contudo, era erigir a história de Amy Winehouse a um arquétipo.
Sam Taylor-Johnson (realizadora de Nowhere Boy, sobre a infância de John Lennon, em 2008, e do falsamente infame As Cinquenta Sombras de Grey, em 2015) evita essas "ambiguidades", se quisermos dizer assim, recusa até o sórdido e pinta retratos benévolos das criaturas — o caso mais flagrante de branqueamento é a figura do pai de Amy, Mitch Winehouse (no filme, interpretado por Eddie Marsan), que terá feito ruir a estabilidade familiar, abandonando-a, para regressar como gestor da estrela e, algo que o documentário de Kapadia deixava em aberto, interessado sobretudo no negócio.
Concentra-se, então, Back to Black, no casal Amy (Marisa Abela)/Blake Fielder-Civil (Jack O'Connell) como se quisesse fazer com eles cenas de uma vida conjugal. É uma fórmula pomposa para descrever o que realmente se passa aqui. Seria preciso, para o filme atingir esse grau de abstracção no estudo da decomposição do par, que Marisa Abela, apesar da imagem picture perfect de Amy Winehouse, ou se calhar por causa dela, não fosse sobretudo uma idealização — nada nos perturba o facto de Marisa não ter a gravitas na voz que Amy tinha, já nos incomoda que a tremenda solidão da cantora, a sua rugosidade durante a descida aos infernos que a tornava inacessível, seja adocicada, humanizada; e que o suposto carisma de Blake Fielder-Civil/Jack O'Connell seja uma forma de convencer o espectador em relação às possibilidades deste par de cinema.
Se a pergunta, então, for "vale a pena Black to Black?" I say no, no, no...