Scoop, ou como os bastidores da entrevista a André não alteram desastroso efeito

No fim da conversa, o príncipe saiu convencido de que tinha ficado bem na fotografia. E a entrevistadora certa de que tinha obtido o que se propusera. Um filme mostra como chegaram até aí.

Foto
Scoop é mais do que a história de André e da sua entrevista; é também um olhar aos meandros do jornalismo televisivo Reuters/TOBY MELVILLE
Ouça este artigo
00:00
04:23

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

A entrevista que o príncipe André entendeu ceder ao programa Newsnight da BBC, transmitida a 16 de Novembro de 2019, deu origem ao seu afastamento dos deveres reais (viria a perder as patentes militares e o título de sua alteza real mais tarde, por causa do acordo que assinou com Virginia Giuffre, que o acusava de abuso sexual quando ainda era menor). E o filme Scoop, traduzido para A Grande Entrevista e assinado por Philip Martin, que realizou alguns dos episódios das primeiras duas temporadas de The Crown, pretende mostrar como se desenrolou todo o processo.

O duque de Iorque pretendia dissociar-se de Jeffrey Epstein, empresário caído em desgraça, acusado de manter um esquema de tráfico sexual de menores, que tinha aparecido morto na sua cela (a autópsia concluiu ter-se tratado de suicídio), três meses antes, nos EUA. E, entre vários nomes de famosos que se relacionavam com Epstein, estava o de André, que costumava ficar na casa do norte-americano quando visitava Nova Iorque, inclusive após o financeiro ter sido condenado por dois crimes de solicitação de prostituição na Florida e de se ter registado na polícia como abusador sexual, em 2006.

Ao longo da trama, que se estreou na Netflix na última sexta-feira, não há surpresas nem revelações. André não sai mais prejudicado do que saiu da sua entrevista real, que lhe custou uma série de benefícios e o lugar menos amado entre a monarquia britânica (tem uma aceitação de apenas 9%), mesmo que a mãe o tenha mantido sob a sua asa — diz-se que era o filho preferido de Isabel II. Mas volta a trazer para o centro da discussão o caso, numa altura em que André parece querer tentar voltar à agenda real.

Rufus Sewell dá corpo à figura de um homem autocentrado, de ego insuflado, como uma criança mimada com pouca noção do outro (imagem que dezenas de peluches empilhados no seu quarto parecem reforçar). E isso pode explicar as razões pelas quais o príncipe considerou uma boa ideia aceitar fazer a entrevista: ele queria ter uma oportunidade para contar a sua versão sobre a relação com Jeffrey Epstein e negar qualquer crime, e não terá ponderado sequer a hipótese de poder ser apanhado na sua própria teia.

No filme, uma assistente de produção dá a dica à entrevistadora: “Homens como ele odeiam não ser ouvidos. Ele quer ser ouvido.” E, em vez de tratar de encurralar o entrevistado, a jornalista dá-lhe o espaço e o tempo necessários para que seja o próprio a colocar-se em situações mais difíceis, sem que pareça compreendê-lo.

Mesmo ao longo da gravação, em que a sua secretária interrompe por considerar que falta informação ao que o príncipe acabou de responder (sobre uma data específica em que foi acusado de estar com Giuffre, mas que o duque declara ter estado com as filhas), a confiança de André não se deixa abalar. As suas respostas são atabalhoadas, mal formuladas ou simplesmente surreais (como a questão do suor, em que diz padecer de um problema que não lhe permite suar), mas o duque, numa manifestação de arrogância, recusa a sugestão da secretária e prossegue o caminho que o levou a transformar-se numa espécie de indesejável número 1.

Mas Scoop é mais do que a história de André e da sua entrevista. É também um olhar aos meandros do jornalismo televisivo, através da assistente de produção Sam McAlister (a quem Billie Piper dá vida), que teve um papel crucial a obter a entrevista, conseguindo convencer a secretária pessoal do príncipe, Amanda Thirsk (Keeley Hawes), de que esta era uma oportunidade para o membro da realeza melhorar a forma como era olhado pela opinião pública. “O meu trabalho era persuadir as pessoas a irem contra os seus interesses”, explicou a ex-funcionária da BBC ao programa This Morning, por altura do lançamento do livro que deu origem ao filme.

Gillian Anderson, que, depois de ter dado vida a Margaret Thatcher em The Crown, é agora Emily Maitlis, que amealhou prémios de jornalismo pela entrevista a André, vai mais longe e explica que “parte do tema do filme é a importância do jornalismo independente”, destacando “a capacidade de criar uma plataforma e um fórum para que as perguntas difíceis sejam feitas às pessoas que são intocáveis”.

No filme, é ainda destaque a forma como Sam McAlister não se sente valorizada, com crises de auto-estima e a assumir a BBC como um espaço hostil, onde descreve ter sido menosprezada por outros profissionais da casa, como a jornalista-estrela Maitlis e a produtora Esme Wren (Romola Garai). A última deu-lhe, na época, crédito pela entrevista numa publicação nas redes sociais, mas do que se sabe Maitlis e McAlister não se falam actualmente.

Ainda assim, a entrevistadora, que é produtora executiva de uma série sobre a mesma entrevista a estrear na Amazon, afirmou-se, em declarações ao site Deadline, “muito entusiasmada” com o filme, avaliando que Sam McAlister tinha levado a história a “novos patamares” e recusando a ideia de qualquer rivalidade entre as duas.

Sugerir correcção
Comentar