Ana Paganini transforma procissões religiosas num espectáculo de luz e cor

Ana Paganini dedicou vários anos ao registo fotográfico da procissões religiosas do interior de Portugal. "Fotografei o êxtase do reencontro quando acabaram as restrições da pandemia.”

Fotogaleria

Em 2019, a fotógrafa Ana Paganini começou a documentar as festividades e procissões religiosas portuguesas. “Acredito que são acontecimentos únicos, vividos de uma forma muito autêntica”, conta ao P3. A pandemia provocou um cancelamento histórico destes eventos “que não eram interrompidos desde o 25 de Abril de 1974”. Assim, Ana aguardou a retoma, usando esse tempo para reflectir sobre a resiliência dessas festividades. Regressariam após a pandemia?

“O que observei no Verão de 2022 foi muito comovente”, recorda. “Vi uma enorme devoção aos santos e às imagens que tinham ficado parados durante dois anos. Observei um culto de amor fortalecido e uma extraordinária devoção que deu força às pessoas durante a pandemia. Fotografei o êxtase do reencontro.”

O projecto O Sangue de Jesus Ainda Não Me Falhou, que se mantém em desenvolvimento, contém fotografias realizadas por Paganini em Vila Real, em São Martinho de Anta, na Régua, em Constantim, em Sabrosa, em Sintra, na Praia das Maçãs.

As imagens revelam a realidade de um país ainda marcadamente católico. A lente da fotógrafa vai ao encontro das cores e texturas dos trajes, dos rostos e olhares “maioritariamente femininos” ou adolescentes que ainda marcham em procissões. “Fotografei em analógico porque acredito que resultam em retratos com mais presença. O quadrado da máquina analógica de médio formato ajudou-me também a organizar o caos visual típico de uma procissão.”

A fotógrafa de 28 anos nasceu em Lisboa, mas cresceu em Vila Real – e esse é um detalhe relevante. “Sabia que aconteciam estes fenómenos [religiosos], mas aquilo que vi foi muito surpreendente”, reconta. “Tentei transmitir a dignidade e seriedade com que as pessoas participam nas procissões, e tratar o tema com o respeito que merece.”

Entre 2014 e 2018, Ana Paganini estudou em Inglaterra, na London College of Communication, da Universidade de Artes de Londres. “Ao ter vivido fora, apercebi-me do quão únicos eram realmente estes acontecimentos”, refere. “Talvez estas imagens possam causar alguma estranheza a uma pessoa de um país culturalmente protestante: os seus símbolos ser-lhe-ão estranhos, e quem sabe se fascinantes. Mas, nesse sentido, o transporte destas imagens para Lisboa, do campo para a cidade, também é em si um movimento que suscita curiosidade.”

Paganini começou a fotografar aos oito anos com o seu pai, o fotógrafo documental Albano Costa Lobo (1958-2007), e foi apelidada, pelo jornal O Primeiro de Janeiro, como “a mais jovem fotógrafa portuguesa”. O seu pai fotografou as mesmas procissões em Trás-os-Montes entre 1970 e 2000. “Pretendo, com este projecto, fazer um livro que inclua as minhas fotografias e as do meu pai e dessa forma criar um diálogo entre tempos.” Gosta de pensar que ambos assistiram aos mesmos rituais, ainda que em períodos distintos, e considera esse encontro o fruto de uma “herança de pai para filha”.

Paganini não se limita a fotografar as procissões. “Cada procissão tem a sua dinâmica própria, mas interessou-me observar e acompanhar os preparativos, a fase menos visível das procissões.” Interessa-lhe todo o processo, “desde a construção dos andores, feitos em comunidade com dedicação e esforço, aos alugueres dos fatos”. E partilha um detalhe curioso. “Acidentalmente, documentei o crescimento ou envelhecimento das pessoas que participavam. Fotografei um rapaz que, em 2019, fez de anjo na procissão de São Frutuoso. O mesmo rapaz, em 2022, na mesma procissão, seguia vestido de soldado romano.” Quem sabe se, para o ano, não será Jesus Cristo, pergunta.

Aproximou-se destes rituais por curiosidade histórica e interesse estético. “Interessava-me a ideia de uma ‘fantasia carnavalesca’ poder coexistir com experiências tão sérias. São as próprias pessoas que dão vida e corpo às figuras de devoção. Os fiéis escolhem as personagens que querem ‘ressuscitar’”. Mas sem perder os traços de modernidade, “como as unhas de gel de uma adolescente”.

As fotografias do projecto encontram-se presentemente em exposição na Casa dos Cubos, no Centro de Estudos em Fotografia de Tomar, juntamente com o trabalho do fotógrafo João Ferreira O Paraíso Segundo José Maria. No dia 22 de Março, uma das fotografias de O Sangue de Jesus Ainda Não Me Falhou esteve também exposta na Hatton Gallery, em Newcastle, Inglaterra, justaposta à pintura The Lamentation, do flamenco quinhentista Hugo van der Goes. O trabalho de Paganini já conheceu publicação em várias revistas e jornais, nomeadamente na ZEITThe British Journal of PhotographyLe Monde Diplomatique, entre outros.

Procissão de Nossa Senhora da Azinheira, São Martinho de Anta, Sabrosa, Vila Real, 2022
Procissão de Nossa Senhora da Azinheira, São Martinho de Anta, Sabrosa, Vila Real, 2022 ©Ana Paganini
Procissão de Nossa Senhora da Pena, Mouçós, Vila Real, 2022
Procissão de Nossa Senhora da Pena, Mouçós, Vila Real, 2022 ©Ana Paganini
Procissão de Nossa Senhora do Socorro, Peso da Régua,Vila Real, 2022
Procissão de Nossa Senhora do Socorro, Peso da Régua,Vila Real, 2022 ©Ana Paganini
Procissão de Nossa Senhora da Saúde, Sabrosa, Vila Real, 2022
Procissão de Nossa Senhora da Saúde, Sabrosa, Vila Real, 2022 ©Ana Paganini
Procissão de Nossa Senhora da Azinheira, São Martinho de Anta, Sabrosa, Vila Real, 2022
Procissão de Nossa Senhora da Azinheira, São Martinho de Anta, Sabrosa, Vila Real, 2022 ©Ana Paganini
Procissão de Nossa Senhora da Saúde, Sabrosa, Vila Real, 2022
Procissão de Nossa Senhora da Saúde, Sabrosa, Vila Real, 2022 ©Ana Paganini
Procissão de Nossa Senhora do Socorro, Peso da Régua,Vila Real, 2022
Procissão de Nossa Senhora do Socorro, Peso da Régua,Vila Real, 2022 ©Ana Paganini
Procissão de Nossa Senhora da Pena, Mouçós, Vila Real, 2022
Procissão de Nossa Senhora da Pena, Mouçós, Vila Real, 2022 ©Ana Paganini
Procissão de Nossa Senhora da Praia, Colares, Sintra, 2019
Procissão de Nossa Senhora da Praia, Colares, Sintra, 2019 ©Ana Paganini
Procissão de Nossa Senhora da Azinheira, São Martinho de Anta, Sabrosa, Vila Real, 2022
Procissão de Nossa Senhora da Azinheira, São Martinho de Anta, Sabrosa, Vila Real, 2022 ©Ana Paganini
Procissão de Nossa Senhora do Socorro, Peso da Régua,Vila Real, 2022
Procissão de Nossa Senhora do Socorro, Peso da Régua,Vila Real, 2022 ©Ana Paganini
ssão de Nossa Senhora da Azinheira, São Martinho de Anta, Sabrosa, Vila Real, 2022
ssão de Nossa Senhora da Azinheira, São Martinho de Anta, Sabrosa, Vila Real, 2022 ©Ana Paganini
Procissão de Nossa Senhora da Saúde, Sabrosa, Vila Real, 2022
Procissão de Nossa Senhora da Saúde, Sabrosa, Vila Real, 2022 ©Ana Paganini
Procissão de Nossa Senhora da Saúde, Sabrosa, Vila Real, 2022
Procissão de Nossa Senhora da Saúde, Sabrosa, Vila Real, 2022 ©Ana Paganini
Procissão de Nossa Senhora da Praia, Colares, Sintra, 2019
Procissão de Nossa Senhora da Praia, Colares, Sintra, 2019 ©Ana Paganini