Obrigado, Rapazes: o orgasmo, e como simulá-lo

Um encenador e um grupo de presidiários em workshop de teatro. A fazer de conta que é “comédia à italiana”.

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O filme Obrigado, Rapazes estreia-se esta quinta-feira nos cinemas
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Algo óbvio, o À Espera de Godot numa prisão, o absurdo claustrofóbico do mundo em quatro paredes. Mas o encenador deste filme, papel que cabe a Antonio Albanese, diria melhor: "iluminante".

Mas, antes disso, ele, o encenador: actor já sem carreira, condenado a falsificar orgasmos na dobragem de filmes porno, "orgasmo! orgasmo!" e depois "adeus, muito obrigado!" (como o italiano Albanese se parece com o espanhol Javier Cámara, o início de Obrigado, Rapazes até parece caminho aberto para as colagens de um certo Almodóvar...), a personagem de Antonio vai dar a um grupo de presidiários para quem dirigirá um workshop de teatro.

Há um problema de ferida na auto-estima e de como a sarar neste loser tornado encenador. É um solitário depois de um divórcio, é habitante de um bairro que está quase na pista de aterragem dos aviões.

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Antonio Albanese, o encenador

Sucessão rápida de exposição — porque Obrigado, Rapazes joga sobretudo no efeito reactivo — e temos Antonio a enfrentar figuras que aceitaram decorar o texto de Samuel Beckett pensando que se tratava de um tal Beckham. Mas ao menos o teatro não é como a outra hipótese de laboratório que lhes foi apresentada, o ioga; isso "é para maricas".

Estamos a ver o que vai acontecer, e desse horizonte o filme de Riccardo Milani não se afasta: uma história de superação, de redenção, de que as personagens dos pobres presidiários, com as suas histórias pessoais que servem de caracterização sumariamente humana e até lhes permitem momentos de exuberância, serão o estímulo, modo de lá chegar. A uma espécie de orgasmo, sim, o do encenador, que é isso que está sempre na mira de uma estrutura que progride da cobrança em cobrança de efeitos emotivos.

Obrigado, Rapazes não é portanto feito da forma que os irmãos Taviani fizeram o seu César Deve Morrer (Urso de Ouro em Berlim 2012), documentário, ou uma forma de..., sobre uma encenação de Júlio César de Shakespeare numa prisão italiana de alta segurança. A esse título, o filme de Milani é mesmo dotado de alguma hipocrisia, e se calhar é nele o germe de falsidade, ao colocar nas palavras do encenador a descoberta de que os actores não profissionais, os presidiários, "conseguem fazer coisas que os actores profissionais já não conseguem" — mas não é isto dito como momento eureka! num filme em que o "fazer de conta" entre profissionais é o formato, o modus operandi?

À Espera de Godot? Beckett vai-nos sendo dado aos pedaços, para não cansar (no final, alguém poderá ter a sensação de que com o resumo viu tudo), entre peripécias simplórias, e amáveis, mas sempre o cálculo dos efeitos, sem um grama da selvajaria trágico-cómica da "comédia à italiana" que alguém como Gianni di Gregorio, mas esse era todo instinto e memória não programática, recuperou aos 60 anos quando se estreou na realização com Almoço de 15 de Agosto (2008).

Em Obrigado, Rapazes os presidiários às tantas regressam à prisão. Acabou-se a tournée. A ficção utilizou-os, o filme já não precisa deles. Antonio, o encenador, lá tem então o seu momento. Claro: diz-lhes obrigado!

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