Doenças raras, a perspetiva de um médico geneticista

Com o avanço tecnológico, o futuro do diagnóstico e do tratamento das doenças raras parece prometedo. Nesta quinta-feira assinala-se o Dia Mundial das Doenças Raras.

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As consultas de genética acontecem essencialmente em Lisboa, Porto e Coimbra Pixabay/Pexels
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Em 2008 foi criado o Dia Mundial das Doenças Raras e a data escolhida foi 29 de fevereiro, simbolicamente selecionada por ser um dia raro, ocorrendo apenas em anos bissextos. Desde então, este dia tem crescido em visibilidade, permitindo aumentar a consciencialização sobre as doenças raras, distinguir os desafios enfrentados pelas famílias afetadas e promover a investigação e o desenvolvimento de tratamentos.

Na Europa, tem-se considerado doenças raras como aquelas com prevalência inferior a uma em 2000 pessoas. Nem todas as doenças raras têm causas genéticas mas certamente quase todas as doenças genéticas são raras e destas há mais de 6000 conhecidas. Daqui resulta que é a Genética a área da Medicina mais vezes relacionada com estas doenças que, em conjunto, são tudo menos raras, estando presentes em cerca de 400 milhões de pessoas (segundo a Organização Mundial de Saúde).

O primeiro dos desafios no contexto das doenças raras é o diagnóstico, e é também o único de que vamos falar, deixando para segundas núpcias o aconselhamento e a prevenção. Para tal temos agora testes moleculares, feitos após uma simples colheita de sangue, que permitem um esclarecimento etiológico inacessível ao mais perspicaz olho clínico. Claro que nenhum destes testes consegue competir com o bom senso, a experiência e a observação clínicas, mas são hoje indispensáveis na maioria dos diagnósticos obtidos.

Estes testes genéticos podem ser dirigidos a um só gene, havendo mais de 3000 testes possíveis, mas mais frequentemente são analisados em simultâneo muitos ou todos os genes, pela sequenciação do exoma completo, para encontrar a variação causadora da doença.

Em Portugal, as consultas de genética acontecem essencialmente em Lisboa, Porto e Coimbra, mas este tipo de testes necessários para o esclarecimento etiológico das doenças raras pode ser solicitado por qualquer médico na presença de sintomas sugestivos, por exemplo, desde a Obstetrícia no âmbito do Diagnóstico Pré-natal, à Pediatria, frequentemente quando se identifica perturbação do desenvolvimento psicomotor, passando pela Oncologia quando há a suspeita de doença hereditária, a Cardiologia na avaliação de miocardiopatias ou anomalias do ritmo cardíaco, a Neurologia em relação com doenças neuromusculares, epilepsia, doenças do movimento ou demências, ou a Oftalmologia essencialmente em relação com as doenças da retina.

Os médicos recorrem assim aos laboratórios de genética para os testes de diagnóstico. No nosso país, estes laboratórios estão na grande maioria no Porto, onde uma equipa de especialistas laboratoriais em genética clínica processa as amostras e interpreta os resultados.

Com o avanço tecnológico, o futuro do diagnóstico e do tratamento das doenças raras parece algo prometedor, marcado por várias tendências e desenvolvimentos importantes.

O aperfeiçoamento de testes genéticos, incluindo a sequenciação do transcriptoma e do genoma completo, estão a tornar-se mais acessíveis à prática clínica, prometendo um acréscimo de 5% à taxa de diagnóstico. Um diagnóstico mais rápido e mais exato é facilitado pela integração da inteligência artificial e da aprendizagem automática na análise.

É agora tecnicamente possível a pesquisa pré-concecional ou pré-natal de milhares de doenças genéticas.

As abordagens da medicina de precisão, como as terapias direcionadas e as tecnologias de edição de genes como a CRISPR-Cas9, têm o potencial de tratar anomalias genéticas específicas subjacentes às doenças raras, oferecendo opções de tratamento. Também o aumento da colaboração e da partilha de dados entre investigadores, prestadores de cuidados de saúde e grupos de defesa dos doentes têm contribuído para uma compreensão mais abrangente.

Apesar destes avanços, há que enfrentar desafios como as considerações éticas, a privacidade dos dados e o acesso equitativo às tecnologias emergentes. A colaboração contínua entre investigadores, profissionais de saúde e responsáveis pela elaboração de políticas públicas será crucial para concretizar todo o potencial das novas tecnologias no diagnóstico e tratamento das doenças raras.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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