Um terço dos novos oficiais de justiça desistiram ao fim de menos de seis meses

“Com o que pagam compensava-me mais ir trabalhar para uma fábrica”, observa candidata de Braga colocada em Lisboa. Tutela obrigada a fazer novos recrutamentos, tendo conseguido preencher 186 lugares.

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Houve candidatos que nem chegaram a franquear as portas do tribunal em que foram colocados Nuno Ferreira Santos (arquivo)
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Um terço dos perto de 200 oficiais de justiça com que a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, anunciou várias vezes ter reforçado os tribunais em Setembro passado não aguentaram o baixo salário e já se foram embora, obrigando a tutela a fazer novos concursos para contratar substitutos.

Alguns nem chegaram a franquear a porta do tribunal, quanto mais entrar na sala de audiências: quando se aperceberam que iam auferir menos de 900 euros limpos como salário de ingresso, apressaram-se a avisar o Ministério da Justiça de que afinal não estavam interessados. Foi o caso de Ângelo Gonçalves, um bancário de 37 anos que mora em Tavira e também exerce como solicitador. “Sempre pensei que pagassem pelo menos o ordenado de técnico superior. Alguns amigos que são oficiais de justiça é que me avisaram que não”, explica, lamentando o tempo que perdeu a estudar para as provas de ingresso.

Mas para muitos dos desistentes, que serão penalizados com a impossibilidade de se voltarem a candidatar nos próximos dois anos, o principal obstáculo reside no facto de terem sido colocados a centenas de quilómetros da sua área de residência, uma vez que de Coimbra para cima não abriram vagas para primeiros ingressos – o que implicaria tirar do magro salário dinheiro para alojamento em cidades e concelhos onde os custos das casas dispararam para níveis incomportáveis.

Com 46 anos, Eneida Cardoso, residente em Braga, viu no anúncio dos 200 novos lugares nos tribunais uma oportunidade para escapar à instabilidade profissional da solicitadoria. Para seu espanto, calhou-lhe na rifa uma colocação em Lisboa, apesar das faltas de funcionários judiciais com que sabe confrontarem-se os tribunais bracarenses: “É uma desgraça, não conseguem dar vazão aos processos.” A própria ministra da Justiça já chegou a admitir, de resto, que as duas centenas de colocações não chegam para as necessidades.

Mãe de duas crianças, uma de seis e outra de 12 anos, nem pensou duas vezes quando decidiu recusar a colocação na capital: “Com o que pagam compensava-me mais ir trabalhar para uma fábrica. É um salário muito baixo, tendo em conta a responsabilidade que se tem e a pressão a que se é sujeito.” Depois de ter declinado uma primeira vez a colocação, ainda lhe ligaram dos serviços do Ministério da Justiça a insistir, mas manteve a recusa.

Residente nos Açores, uma das candidatas seleccionadas foi parar a Cascais, e também não hesitou em dizer que não. “Não compensava, sendo ainda por cima Cascais uma zona tão dispendiosa”, justifica.

Colocados candidatos com menos de 9,5 valores

Na caixa de comentários do blogue Oficial de Justiça surgiu recentemente o testemunho de outra desistente: “Sou mãe de um menino de três anos. Sou casada. Dei por mim a ser ‘coagida’ a trabalhar para além da hora, a perder constantemente a carreira num trajecto de quase quatro horas/dia de viagem, sem me pagarem as horas extras. Reclamei verbalmente e disseram que é assim! Portanto, serei fraca, terei perdido uma oportunidade e tinha de aguentar pouco mais de 800 euros/mês, quatro horas de transportes, e mais de duas horas/dia para além do horário laboral não pagas! Saía de casa às 6h para chegar, a maior parte dos dias, depois das 20h. Estava com o meu pequeno uma hora por dia!”

Mediante a abertura de novos concursos, o Ministério da Justiça diz ter conseguido entretanto preencher 186 dos 200 lugares. Parte deles foi através do recrutamento de candidatos que não conseguiram nos testes mais de 9,5 valores.

Os dirigentes dos dois sindicatos do sector já adivinhavam este cenário. “Desses 200 candidatos iniciais não sobrarão sequer cem, quando chegarmos ao Verão”, prevê o presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça, Carlos Almeida. “É um falhanço completo”, corrobora António Marçal, principal dirigente do Sindicato dos Funcionários Judiciais. A criação de um subsídio de fixação para quem é colocado nas cidades mais caras do país foi uma sugestão que apresentou, sem sucesso.

A confrontarem-se com carências de pessoal tremendas, os tribunais de Sintra e de Cascais estão neste momento a tentar recrutar 22 funcionários. No anúncio destinado a prover estes lugares, a Direcção-Geral da Administração da Justiça admite que a medida visa “dar uma resposta urgente a uma situação em que não é possível assegurar o funcionamento dos serviços”.

Para não desfalcar outros tribunais, apenas foram aceites candidaturas de oficiais de justiça que exerçam funções em comarcas cujo défice de pessoal seja inferior a 17%, que é a média nacional de défice.

Estimativas sindicais dão conta de que faltam 1200 a 1500 destes profissionais nos tribunais portugueses.

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