Depois dos magistrados, advogados também repudiam estatuto dos oficiais de justiça
Vice-presidente do CSM compara proposta do Governo a cereja apodrecida, enquanto Ordem dos Advogados recorre ao termo “desmembramento”.
A proposta do Governo para o novo estatuto dos funcionários dos tribunais continua a suscitar repúdio entre os principais actores do sector da justiça. Se há uma semana o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM)) comparou o projecto da tutela a uma “cereja apodrecida”, já a Ordem dos Advogados fala agora numa carreira “desmembrada e colocada sob estagnação”.
Apesar de ainda não ter produzido um parecer formal, o que deverá acontecer na semana que vem, o CSM já deixou claro aquilo que pensa do documento apresentado pelo Ministério da Justiça aos sindicatos e restantes parceiros. Numa avaliação muito crítica, o seu vice-presidente, Luís Azevedo Mendes, descreveu-o como um projecto que recupera o "monstro burocrático nos tribunais" e viola o princípio de separação de poderes.
Considerando que o estatuto deveria ter sido o primeiro dos diplomas a ser revisto no âmbito da reforma judiciária, o magistrado lamentou o sucedido: "Não foi o primeiro e, pelo contrário, acaba por ser o último. Esperava-se, por isso, que ao menos fosse a cereja em cima do bolo. Porém, tendo em vista o projecto governamental neste momento em discussão pública, temo que possa ser uma cereja apodrecida que venha a contaminar todo o edifício reformador já erguido. O monstro burocrático nos tribunais, que se julgava quase enterrado, parece voltar a erguer a cabeça", declarou, citado pela agência Lusa, no discurso que encerrou o XVII Encontro Anual do Conselho Superior da Magistratura, que teve lugar na Covilhã.
Antes disso, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público também já tinha arrasado a proposta, que considerou uma tentativa do poder político de se imiscuir no funcionamento dos tribunais, comprometendo a sua independência e violando a separação de poderes inscrita na Constituição – além de “destruir por completo a possibilidade de os oficiais de justiça terem acesso a uma carreira digna, devidamente remunerada”.
Também a Ordem dos Advogados detectou várias ilegalidades no documento, falando mesmo na violação do Código do Trabalho e da Constituição. “A proposta em análise poderá permitir que, na prática, se proceda a uma redução do vencimento real dos funcionários, o que, pelo menos, colide com o princípio da irredutibilidade do salário – acautelado quer constitucionalmente, quer pelo Código do Trabalho”, refere o parecer, quando se debruça sobre a criação de um suplemento de disponibilidade para compensar o serviço prestado fora de horas.
“A fixação do referido suplemento implicará, pelo menos em tese, que um funcionário judicial esteja com disponibilidade permanente para prestar o seu serviço fora dos horários laborais, desse modo adiando ou interrompendo o seu direito ao descanso, compensando-o economicamente dos transtornos em que tal limitação ao direito ao descanso se traduz”, observa a Ordem dos Advogados, que vê nesta disposição “uma exigência camuflada de prestação de trabalho suplementar sem direito à correspondente contrapartida remuneratória”.
Por outro lado, a tutela quer dividir a carreira dos oficiais de justiça por licenciados e não licenciados, com os primeiros a ganhar mais que os segundos, opção que os advogados também vêem com maus olhos: “A carreira é desmembrada e colocada sob a alçada da estagnação”, refere o mesmo parecer, que é assinado por um dos vogais do conselho geral da Ordem, Manuel Proença.
No mês passado, o início da negociação do estatuto com a tutela levou a principal estrutura sindical da classe, o Sindicato dos Funcionários Judiciais, a interromper as greves que decorriam de forma quase ininterrupta desde Fevereiro, nos mais variados formatos. Porém, perante o impasse no diálogo com a tutela este sindicato equaciona novo regresso aos protestos.