Natal: tempo de acolher
As dificuldades que se acumularam durante o ano, fruto das diferenças inerentes às pessoas ou às vicissitudes da vida, não desaparecem na noite de Natal, por mais magia que possamos imaginar.
O Natal é entendido como uma época de celebração, de convívio, de sorrisos abertos e de abraços longos que se querem sinceros. Na noite da consoada espera-se que a alegria reine e que a mesa seja composta por pessoas que pretendem ter um verdadeiro momento de celebração e de confraternização. Simultaneamente, é uma quadra que desperta emoções variadas, muitas, naturalmente, contraditórias. Quem nunca sentiu alegria ao mesmo tempo que saudade e tristeza por saber que vai passar o Natal em família, mas haverá menos um prato à mesa pela ausência de um ente querido já falecido ou alegria pela magia do encontro com a família mais distante e receio pela junção de familiares com costas voltadas que pode resultar num mal-estar que contagia toda a noite?
A concepção de família inclui um conjunto de coisas boas e más, como o amor e a dor, que moldam a nossa vida, a nossa forma de ser, as nossas relações e dão-nos um sentido de conexão e de pertença. As relações que construímos desde pequeninos no seio da nossa família e, mais tarde, nos contextos em que nos movimentamos contribuem, entre outras coisas, para sermos quem somos social e emocionalmente.
O Natal e a família andam de mãos dadas pela enorme capacidade de promover reencontros, além de reforçar relações, familiares ou não, que podem ser gratificantes e que nos fazerem sentir confiantes. Sabemos, porém, que as famílias não são feitas de vincos e de pura alegria, mesmo aquelas que insistem nas aparências.
Além de reencontros que nos põem à prova e que preferíamos não ter, há adversidades que são transversais a todas as famílias: um tio que é dependente do álcool; um primo com uma doença grave; uns cunhados desavindos; a sobrinha que fugiu com o namorado; uma traição...
Sendo certo que não deixe de causar sofrimento, tudo isto cabe no conceito de “ser pessoa” e de viver no mundo atual. Em consequência, para alguns familiares nossos, ou para nós mesmos, esta pode ser também uma época emocionalmente sensível, associada ao isolamento, à tristeza, à dor e à desilusão. Isto acontece porque as dificuldades que se acumularam durante o ano, fruto das diferenças inerentes às pessoas ou às vicissitudes da vida, não desaparecem na noite de Natal, por mais magia que a nossa imaginação possa conter.
Importa, então, a entrega no reencontro com o outro e o preenchimento do vazio de quem passa a maior parte do ano sozinho com uma noite de momentos bem passados que pode atenuar as dificuldades, mesmo que apenas por algumas horas e, quem sabe, dar fôlego para enfrentar algumas.
Assim, por todas as emoções contidas nas histórias que vivemos com quem gostamos de estar e porque a noite da consoada deve ser de conforto, devemos tentar acolher as nossas emoções e as de quem nos é mais querido, partilhando, ao mesmo tempo, alegria, generosidade e amor.
Podemos começar pelo respeito pelas nossas necessidades e valores e por legitimar os nossos sentimentos e o direito de sentir o que sentimos, assim estaremos a preparar-nos para acolher o outro. Mas acolher não é aceitar a má educação, o maltrato, os comentários desagradáveis, a desonestidade ou qualquer coisa que vá contra os nossos valores e não nos faz bem porque nos fere.
Todos temos direito a dizer “não” àquilo que consideramos que nos prejudica. Acolher é abraçar com compaixão quem está particularmente sensível porque teve um ano desafiante; é ajudar a manter viva a presença das pessoas desaparecidas através de uma homenagem em família à sua memória; é legitimar quem passou por um conflito grave e foi injustiçado; é contactar aqueles que não podem estar presentes na noite de Natal e mostrar a sua importância. Acolher é acarinhar a criança ou o adolescente que vive um divórcio parental, não com pena, mas com afeto e compreensão.
Finalmente, acolher é ser empático com as dificuldades de alguém, seja por falta de emprego, por problemas económicos, familiares ou por complicações fruto de uma doença. Estas pessoas podem estar mais vulneráveis e sentirem que a noite de Natal não tem qualquer magia porque efetivamente não vai mudar as suas vidas. Muitos expressam tristeza, falta de apetite, desânimo e até recorrerem ao consumo excessivo de álcool na tentativa de lidar com a dor.
Por isso, numa atitude de conciliação, ao invés de criticar ou ignorar, escute e valide os sentimentos de quem está a passar verdadeiramente por um mal momento, mesmo que só por um instante. Expressar a nossa solidariedade de forma construtiva e ser capaz de dar um pouco de si e do seu tempo aos outros ajuda a promover relações mais profundas, além de regular a emocionalidade de quem se sente acarinhado. Quem sabe, esta forma de conforto e de reconhecimento pode transformar-se em confiança e em esperança, porque, às vezes, faz mais falta um abraço carinhoso e um pouco de atenção do que um par de meias.