Querida Mãe Natal,
Tu, que ainda consegues sentir a nostalgia do Natal da tua infância enquanto cozinhas fatias-douradas, mas que és puxada para a realidade adulta quando vês a pilha de pratos por lavar.
Não, não é a que vive no Pólo Norte.
És tu, que andas desde Setembro a criar uma lista mental de presentes para toda a gente e a fazer contas de como os vais pagar. A tentar lembrar-te do que ofereceste o ano passado, para não correres o risco de repetir.
És tu, que vais escrevendo no telemóvel os desejos dos miúdos, à medida que despontam. Tu, que ainda estás magoada porque no Natal passado ninguém elogiou o peru, mas que mesmo assim não desistes de tentar uma receita melhor para este ano. Que sabes, à partida, que vais ficar exausta, mas que continuas a abrir a casa a toda a família.
Tu, que tentas perceber de que forma deves gerir o primeiro Natal como madrasta, fazendo um esforço para comprares presentes equivalentes para os filhos dele e para os teus. A que faz malabarismos nos cinco grupos de WhatsApp na tentativa de conciliar os encontros de dias 24 e 25, para que nenhum avô ou tio fique triste. A que se lembra da nova sogra, mas também da “ex”, que não tem culpa nenhuma de o filho ter sido um idiota, e que continua a ser avó dos teus filhos.
Tu, que desejas que o teu marido adivinhe o presente de que gostava mesmo, mesmo, mas que sentes que, se lhe disseres explicitamente o que é, perde o encanto. Que sabes que vais ficar triste quando, ajoelhada junto do Presépio, te lembrares daquela tua amiga tão querida que já partiu e que te deixa tantas saudades.
Tu, que a somar a todas as outras preocupações, agora ainda ficas indecisa se deves ou não acender as luzes de Natal para poupar na electricidade. Que sempre que acendes a lareira te sentes culpada pelo teu conforto, sabendo que há pessoas em Israel, em Gaza, na Ucrânia ou em todos os outros sítios em guerra, e que já nem tens coragem de ir descobrir quais são.
Tu, que ainda consegues sentir a nostalgia do Natal da tua infância enquanto cozinhas fatias-douradas, mas que és puxada para a realidade adulta quando vês a pilha de pratos por lavar.
És tu, que nunca te esqueces de comer as bolachas ou beber o leite, que eles deixaram para o Pai Natal; que ficas até de madrugada a embrulhar presentes, a preparar mesas e refeições para criar um dia mágico.
És tu, sim, a Mãe Natal a quem queremos lembrar que vale a pena! Vale a pena continuares a fazer tudo como fazes, porque os teus filhos guardarão para sempre essas memórias. E mesmo que, por vezes, pareça que “ninguém repara” no teu esforço, não é assim.
A quem queremos recordar que é exactamente porque o mundo parece, neste momento, estar um bocadinho assustador, ainda é mais importante não nos esquecermos de que:
- A luz nasce nos sítios mais pobres e mais simples.
- O que estamos a tentar dar aos nossos filhos são emoções e memórias e não coisas materiais.
- Que a desilusão de alguns presentes é inevitável, mas que não podemos ter medo dessa emoção passageira, procurando preveni-la com uma catadupa infindável de alternativas.
- Que as crianças, passados uns anos, se lembrarão sempre do “passeio para apanhar musgo” ou da ida à “Aldeia do Natal”, e nunca de que presente receberam.
- Que é bom aproveitar esta época de solidariedade para ajudar os mais pequenos a perceber a melhor forma de ajudar os outros. Porque os fará sentirem-se especiais e capazes de provocar uma mudança, por pequena que seja.
- Que não faz mal dar presentes que fizemos nós mesmos, em lugar de os comprar.
- Que, sim, é preciso chatear toda a gente para tirar uma fotografia de família.
- Que, não, não é preciso desmascarar o Pai Natal, ainda que já possam saber a verdade.
- Que ir ao shopping na semana de 25 de Dezembro é asneira.
- Que o Natal é sobre Jesus. E, mesmo que não se seja católico, faz sentido explicar aos nossos filhos o significado de um Deus que se faz Menino e nasce numa manjedoura, para ser adorado por pastores, primeiro, e só depois por reis...
Com um enorme beijinho natalício,
Ana e Isabel Stilwell
O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.