“Aquelas injecções para emagrecer” funcionam, mas há quem precise mais delas

A discussão já não está ao nível de se saber se estes fármacos resultam. Já se percebeu que sim e que serão fulcrais para o tratamento da obesidade e todas as complicações de saúde a ela associadas.

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Estes fármacos são “imitadores” da GLP-1, uma hormona que já produzimos no nosso intestino e que tem como função reduzir o apetite e induzir uma saciedade precoce Megan Jelinger/Reuters
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Já houve quem lhe apelidasse de “vacina” e já houve quem (de forma muito elegante, diga-se) dissesse que era “o fim dos gordos”. O que são afinal estes fármacos injectáveis que estão na moda e de que forma todos os intervenientes se devem posicionar em relação a eles.

Estes fármacos são “imitadores” da GLP-1, uma hormona que já produzimos no nosso intestino e que tem como função reduzir o apetite e induzir uma saciedade precoce. Traduzindo por miúdos, é como se já tivesse comido sem ter de facto comido. Este não pretende ser um artigo muito técnico a falar das diferentes moléculas (semaglutido, tirzepatida — não comercializada em Portugal — e liragultido), sendo certo que as duas primeiras parecem mais eficazes que o liraglutido apesar de todas elas terem muito bons resultados na perda de peso (5 a 20% peso corporal).

No momento actual, a discussão já não está ao nível se estes fármacos resultam ou não. Já se percebeu que sim e que serão fundamentais para o tratamento da obesidade e todas as complicações de saúde a ela associadas. A semana passada saiu um dos maiores estudos com 17 mil indivíduos com obesidade e sem diabetes a quem foi administrada uma injecção semanal de semaglutido (2,4mg) durante 34 meses e com um período de follow up de 40 meses (praticamente 6 anos no total). A perda de peso média do grupo que tomou o fármaco foi de 10% do peso corporal tendo-se mantido mesmo após a suspensão do mesmo, mas mais importante do que isso, houve uma redução significativa de eventos cardiovasculares (mortalidade cardiovascular, enfarte agudo do miocárdio não-fatal e AVC não-fatal).

Com estes resultados na perda de peso, não é de estranhar que todos os factores de risco como perímetro cintura, pressão arterial, colesterol, e glicemia em jejum melhorem após a utilização destes fármacos e o nosso SNS sempre à beira do precipício agradece uma população cada vez menos doente. Como qualquer outro fármaco a resposta ao tratamento varia de pessoa para pessoa. Um estudo mais pequeno (40 indivíduos com diabetes tipo II, durante 26 semanas com o mesmo esquema de tratamento) também observou uma perda média de peso de 10% do peso corporal, mas na análise individual, tanto existiram diminuições de 1 a 31%.

A nível nutricional, é importante ter em conta que esta forte diminuição de apetite (os principais efeitos secundários são mesmo náuseas, vómitos e obstipação) pode levar a que se coma bem menos do que seria o ideal num processo de perda de peso. Manter uma boa quantidade de fibra (legumes, fruta, leguminosas e cereais integrais) é fundamental para uma boa função intestinal e sobretudo a quantidade de proteína deve a todo o custo ser mantida.

Uma perda de peso muito rápida aumenta o risco de perda de massa muscular (que já foi observada com estes fármacos, mesmo sendo a quantidade de gordura perdida muito maior), o que para além de ser um “desperdício metabólico”, aumenta as hipóteses de reganho desse peso no futuro, pois o principal motor do nosso metabolismo basal é mesmo a massa muscular. Como são recorrentes os relatos de “nem estava com grande fome, só comi uma sopa”, “não tenho fome para comer muita carne/peixe”, “nem tenho lanchado nem tomado o pequeno-almoço, não tenho apetite para isso”, todos estes comportamentos levam a uma diminuição da ingestão proteica. São bons casos para a utilização de iogurtes líquidos proteicos ou suplementos de proteína em pó para acertar a quantidade de proteína diária com menos mastigação e maior praticidade em pessoas cronicamente saciadas.

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Como qualquer outro fármaco, a resposta ao tratamento varia de pessoa para pessoa Getty Images

Um dos pontos mais importantes quando se fala de fármacos para a perda de peso é o preconceito que lhes está associado e que necessita de ser combatido. Se todos aceitam a obesidade como uma doença crónica, então existir medicação que a consiga mitigar será sempre uma boa notícia. É geralmente bem aceite que um hipertenso use anti hipertensores, um diabético use antidiabéticos orais ou insulina e alguém com colesterol elevado use estatinas de forma crónica.

Com a obesidade muitas vezes o pensamento é diferente e a abordagem mais estigmatizante, como se o emagrecimento apenas fosse válido com dieta e treino. A nível clínico é certo que em alguns casos à pergunta “tem algum problema de saúde?” a resposta seja negativa. Mas quanto a pergunta seguinte é “mas toma alguma medicação?" muitas vezes a resposta são vários dos medicamentos acima referidos. Ou seja, quando a medicação se torna crónica, muitas vezes as pessoas assumem que será sempre assim e as mudanças de estilo de vida vão sendo proteladas.

Emagrecer é difícil. Manter o peso perdido ainda mais. Pessoas mais pequenas em estatura, mais velhas, mulheres e sem grandes possibilidades para treinarem de forma consistente (falta de tempo e dinheiro, mais do que falta de motivação e disciplina), têm um metabolismo muito pouco “elástico” e mesmo que se portem muito bem durante a semana, ao mínimo erro durante o fim de semana na alimentação social, conseguem gastar o escasso crédito calórico que conseguiram acumular durante a semana. É uma situação totalmente diferente das pessoas que por questões estéticas pretendem perder 2-3kg até ao verão, não estão para se chatear muito com mudanças alimentares e mexem mundos e fundos para tentar arranjar estes fármacos limitando a sua disponibilidade para quem mais deles precisa.

A mensagem final para todos os envolvidos é muito simples: para os médicos, estes fármacos não são “botox”, nem devem ser utilizados para emagrecimento estético, pelo menos enquanto a sua disponibilidade e distribuição estiver limitada e os stocks estiverem provisoriamente esgotados; para os nutricionistas, estes fármacos resultam e são uma ajuda preciosa na gestão da obesidade e diabetes tipo 2. Não vão “deixar de ter trabalho”, o plano alimentar continua a ser fundamental e pacientes com mais resultados vão a mais consultas e desistem menos do processo.

Achar que “emagrecer assim é batota” e que é necessário “sangue, suor e lágrimas” para perder peso “só com dieta” é de uma falta de empatia e de um egoísmo atroz. Tal como já foi dito dezenas de vezes neste espaço, perder peso pode ser atingido de várias formas, manter o peso perdido pressupões sempre uma reeducação alimentar, até porque o sucesso da gestão do peso depende muito mais do número de vezes que se reganha o peso perdido do que da velocidade da perda de peso original.

Para os mais importantes, os pacientes. Estes fármacos são o futuro, mas não podem ser vistos como uma vacina cujos resultados duram para sempre. Nesta fase inicial onde o acesso está condicionado há que encarar este tratamento com muita responsabilidade, não só por nos dias de hoje poder ser considerado um “privilégio” poder usufruir dele face a tanta procura, mas também porque no caso da diabetes tipo 2 a comparticipação do estado é bastante grande (90% de um fármaco com um preço a rondar os 150 euros).

Se é absolutamente verdade que a abordagem da obesidade não deve ser estigmatizante para o paciente, também é importante não existir desresponsabilização nas mudanças na alimentação e treino.

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