O que ainda não se falou sobre o cancro da mama

Juntemo-nos todos, cientistas, associações de doentes e comunicação social para debater o cancro da mama metastizado e fazer chegar a informação certa à população em geral e às doentes em particular.

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É fundamental que as doentes sejam orientadas por equipas especializadas Rui Gaudencio/Arquivo
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Fala-se muito sobre cancro da mama, sobre o excelente prognóstico associado às fases iniciais e a importância fundamental do rastreio para o diagnóstico precoce. Dá-se muito destaque aos tratamentos, a saber lidar com os efeitos laterais, a questões que são, de facto, da maior relevância e que estão relacionadas com os sobreviventes e o seu acompanhamento. Mas fala-se pouco que o cancro da mama também pode ser metastático ao diagnóstico — no chamado estadio IV — ou metastizar mais tarde.

E isto o que é? Termos um cancro da mama estadio IV significa que, aquando do diagnóstico inicial, as células tumorais existem também, noutros órgãos distantes da mama, as chamadas metástases. É uma situação rara, que surge apenas em até cerca de 10% dos diagnósticos.

Apesar de, na maioria das situações, o cancro da mama diagnosticado em fases precoces e adequadamente tratado, ser curável, em alguns casos podem vir a ocorrer metástases, tornando-se uma doença metastizada ou avançada. A percentagem de metastização, recidiva, é diferente para cada tipo de tumor, uma vez que as suas características vão influenciar a resposta aos tratamentos.

E porque é que se fala tão pouco do cancro da mama metastizado? Talvez porque a ideia de estarmos perante uma situação incurável seja assustadora e muitas vezes tentamos não traduzir em palavras os nossos medos. Mas é muito importante dizer que cada vez mais podemos ambicionar tornar o cancro da mama metastizado uma doença crónica, com a qual se consegue viver ao longo dos anos.

Claro que, para isto acontecer, é fundamental que as doentes sejam orientadas por equipas especializadas, mas também que façam o tratamento indicado, com uma vigilância regular e adequada, sempre à procura de conseguir um equilíbrio entre a eficácia dos tratamentos e a sua toxicidade, mantendo uma boa qualidade de vida. E isto, nos dias de hoje, é possível e acontece.

Acredito e testemunho diariamente que viver com um cancro da cama metastizado é uma jornada nem sempre fácil de vivências, emoções e sintomas. Ter uma equipa multidisciplinar, que vai para além da Oncologia, é uma das pedras basilares deste processo. Todas as doentes no decurso da doença, em qualquer fase, mas sobretudo as doentes com doença avançada, precisam e devem sentir-se acolhidas, confortáveis e seguras com a equipa que escolheram para as tratar. Têm de ter a certeza que, para além do melhor tratamento dirigido à sua doença, têm sempre a quem recorrer para tirar as dúvidas, partilhar as angústias e ajudar a ver o futuro com um melhor olhar.

É preciso também que estas doentes tenham a noção que fazem parte da equipa multidisciplinar. Devem estar, para isso, informadas em relação à doença e tratamentos indicados a cada momento, nas mais diversas perspectivas, sendo que essa informação deverá ser dada pela equipa. Só assim poderão escolher o que entendem ser o melhor para si naquele momento, um conceito a que chamamos de "decisão informada".

Tratar doentes com cancro da mama metastizado é, para nós, oncologistas, um desafio a vários níveis. A actualização científica tem que ser constante porque — e ainda bem que assim é — a ciência tem evoluído muito no sentido de haver mais e melhores opções terapêuticas, o que tem sido fundamental para um aumento significativo da sobrevivência destas doentes.

É também um desafio emocional quase diário. São pessoas de quem nos habituamos a fazer parte da sua vida, a quem temos que dar algumas vezes más notícias — e saber gerir na consulta o stress, a tristeza ou, até, a raiva que geram essas mesmas informações. Sentimos que temos de estar à altura desses momentos tão intensos e relevantes, saber escutar, ser empáticos, compreender as preocupações e receios das doentes e familiares, sem desmoronar, sendo e mostrando sempre a força que esperam de nós. É, tantas vezes, duro, acreditem.

Falemos mais de cancro da mama metastizado. Será útil, sobretudo, para as doentes com este diagnóstico. Existem já associações de doentes e profissionais de saúde, bem como sites interessantes e com informação fidedigna, sobre este tema, incluindo em Portugal, que estou certa têm feito um trabalho meritório. Juntemo-nos todos, cientistas, associações de doentes e comunicação social para debater o cancro da mama metastizado e fazer chegar a informação certa à população em geral — e às doentes em particular.

Termino partilhando um testemunho que uma doente minha, jovem com cancro da mama metastizado, me escreveu: "Cancro é uma palavra dura que mudou a minha vida. Mas também aprendi a lutar e a olhar em frente." E é isso que todos desejamos às doentes que estão a viver uma situação assim.

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