O encerramento da época balnear dita o fim da vigilância nas praias. Sem nadadores-salvadores por perto, são os surfistas, em muitos casos, que assumem o resgate de banhistas que se aventuram mar adentro, deslumbrados pelo bom tempo ou com um oceano aparentemente calmo. O fenómeno é ilustrado pelos números: cerca de 80% dos surfistas em Portugal e em Espanha já salvou pelo menos uma pessoa, segundo as conclusões de um estudo científico.
“Recolhemos muitos dados, mais de duas mil respostas nos dois países, e quase 80% dos surfistas resgataram alguém pelo menos uma vez. A incidência de resgate é muito relevante”, afirma ao PÚBLICO Joel de Oliveira, professor na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto, um dos autores da investigação. “O número de resgates é muito grande até porque muitos surfistas resgataram alguém mais de que uma vez.”
Especificamente, a percentagem de inquiridos que já resgatou um banhista foi de 78,5%, numa amostra que abrangeu todas as regiões costeiras da Península Ibérica e os arquipélagos dos Açores, Madeira, Canárias e Baleares. Os dados constam do estudo Surfers as aquatics rescuers in Portugal and Spain: Characteristics of rescues and resuscitation knowledge, publicado pela revista Heliyon, que juntou cinco investigadores portugueses e espanhóis. “Se fizermos um exemplo hipotético baseado no número de surfistas que existem nos dois países, que são meio milhão, se pelo menos 80% salvar pelo menos uma pessoa durante a sua vida, o número de resgastes é realmente muito grande”, explica o investigador. Este é o primeiro estudo do género na Península Ibérica.
Numa altura em que a época balnear já se encontra encerrada na maioria das praias portuguesas (em certos territórios estende-se até 30 de Outubro), os números revelam a importância dos surfistas em zonas não vigiadas. A investigação detectou um padrão entre o salvamento de banhistas e a falta de vigilância. “O padrão mais relevante que encontramos é que 50% dos resgates foram realizados em praias não vigiadas, mesmo sendo em época de Verão; ou então fora do horário de vigilância, de manhã cedo ou ao final do dia”, explica Joel de Oliveira.
Quando o “clima está convidativo”, também se regista uma “incidência maior de acidentes”. Em Portugal, como se sabe, o tempo “convida ao banho mesmo quando não é época balnear”.
Justificada a importância dos surfistas nos resgates em alto-mar, o estudo avança para o passo seguinte: é preciso dotar aqueles desportistas de condições para salvar vidas. “Essa é uma das grandes conclusões. Os surfistas devem ter treino em segurança aquática, em resgate e reanimação”, defende.
Quando é necessário transportar a vítima para terra, o surfista faz uso da sua “experiência na água” para ser “eficaz”. Contudo, em casos mais graves, não tem conhecimentos para fazer mais. “Se o surfista não tiver preparação e treino, os resultados podem ser negativos para a vítima”, alerta.
Uma vez mais, os dados ajudam a perceber a necessidade de formação. Dos surfistas inquiridos, 35,8% nunca frequentou um curso de reanimação cardiopulmonar e 76,2% não tinha tido qualquer experiência como salva-vidas profissional. “Um dos padrões que encontramos é que os surfistas com mais anos de experiência e mais nível de surf efectuaram muito mais resgastes do que os outros”, acrescenta o professor universitário.
O resgate de banhistas por surfistas “não é um assunto novo”, mas permaneceu no “anonimato” durante vários anos. A partir da primeira vaga da pandemia da covid-19, com o retardar do início da época balnear, o fenómeno “começou a ser notado e valorizado”. Agora é preciso criar “programas para que os sufistas saibam como actuar” durante uma emergência. “Uma investigação anterior chegou à conclusão de que os surfistas na Austrália salvam mais pessoas do que nadadores-salvadores. Este estudo foi o primeiro a ser realizado na Península Ibérica. É um assunto que está a ser mais desenvolvido porque o surf está em crescimento”, conclui.