Topless na praia? “A Polícia Marítima pode recomendar decoro”

Quem vai pedir decoro e de que forma? Parece brincadeira, mas o palco do brilho é deles, o palco da vergonha é delas. Continua a ser assim.

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Em Portugal, a legislação continua a ser omissa, no que diz respeito ao topless Corey O'Brien/Unsplash
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Portugal, século XXI, e o mamilo da mulher continua a ser tabu, fruto de uma construção histórica e social, que não conseguimos atualizar. Não me espanta, quando as próprias ditas inovadoras redes sociais o fazem, bloqueando uma fotografia que exponha mamilos femininos.

Este falso pudor e moralismo, que tanto tem origem em homens como em mulheres, é o mesmo que hipocritamente incentiva as mães a amamentar no espaço público, sem esconder os seios. Mas na verdade, é que os relatos destas mães que amamentam sem se taparem, denunciam, muitas vezes, olhares estranhos e o sentimento de incómodo por parte de terceiros.

O P3 perguntou à Autoridade Marítima Nacional (AMN) o que se pode, afinal, fazer na praia. O nudismo, autorizado pela Lei n.º 53/2010 de 20 de dezembro, pode ser considerado como crime de importunação sexual (artigo 170 do Código Penal) quando praticado fora das praias que autorizam a prática. Por outro lado, "a simples prática de topless não constitui um ato ilegal", especifica a AMN. Mas, pode ler-se neste artigo que, se o facto de estares a apanhar sol sem a parte de cima do biquíni "causar incómodo a outros utentes que estão a fruir o mesmo espaço" e alguém fizer queixa, ainda que informal, ao nadador-salvador, podes contar com uma visita das autoridades. Nestes casos, "a atuação da Polícia Marítima efetua-se através de uma abordagem sóbria e pedagógica no sentido de recomendar decoro e contenção", conclui a AMN.

Os ‘uga ugas’ deste país, que não se sabem comportar perante uma mulher de mini saia, continuam a ser aplaudidos pela cultura portuguesa. Imagine-se o seguinte cenário: a Alice incomodada com o facto de o marido não parar de olhar para a vizinha estendida no areal, metros ao lado, vai chamar a Polícia Marítima. E depois? O que acontece a seguir? Alguém me pode explicar? Quem vai pedir decoro e de que forma? Parece brincadeira, mas o palco do brilho é deles, o palco da vergonha é delas. Continua a ser assim. Em Portugal, a legislação continua a ser omissa, no que diz respeito ao topless, não existindo uma proibição expressa de andar em tronco nu na via pública. Portanto, a Polícia Marítima não pode autuar quem faça topless em praias concessionadas, mas pode efetivamente recomendar decoro? Onde está isso escrito? Em que lei, em que artigo se pode concluir tal?

Era só o que faltava, nas praias portuguesas podermos ser brindadas com uma espécie de campanha de sensibilização, em jeito de pedagogia sobre o tema. Mas está tudo doido? Não se atualizam regulamentos? Continuamos a falar à la ditadura. Podem argumentar que sempre foi assim, que não há nada de novo, que todas as mulheres podem continuar a fazer topless, que na prática essas recomendações de decoro nunca vão suceder. Mas será mesmo assim? Vamos continuar a deixar espaço aberto para isto?

Quando os seios femininos estão constantemente a ser associados à sexualidade, estando a provocação na mente de quem observa, continuamos a manter e perpetuar leituras ancestrais. Mas, se não temos coragem para efetuar uma verdadeira mudança nas leis e regulamentos, pelo menos que os comentadores que proliferam nos media, tenham a audácia de abordar temas como estes, fraturantes, e sobretudo reveladores de uma sociedade ainda quadrada e com impactos que vão muito além do apenas “mostrar as mamas”.

A leitura desigual e discriminatória que continua a ser feita do corpo da mulher tem impactos mais profundos. Isto não é uma tolice ou uma futilidade. Na vizinha Espanha, a região da Catalunha acabou há dias com a proibição “discriminatória” de topless em piscinas públicas. Fazer topless nas praias, rios ou piscinas de Espanha é agora permitido em todo o território espanhol. Nós, por cá, é a política do ‘achismo’. Depende de quem achar o quê, no momento e na hora logo se vê.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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