Todos temos ansiedade — este livro ajuda a perceber quando é um problema
A ansiedade não manda em mim! é o novo livro de Sara Crispim. Com linguagem simples e de forma prática, a psicóloga dá dicas para que esta perturbação não te paralise.
Se sentes que a ansiedade manda em ti: respira, não estás sozinho. Sara Crispim é psicóloga clínica especializada nesta perturbação — mas, antes de o ser, já convivia de perto com ela. Escreveu A ansiedade não manda em mim (Contraponto, 2023), lançado no início de Outubro, para desmistificar, informar, ajudar.
Primeiro, vamos aos factos: a ansiedade é uma das perturbações do foro psicológico mais comuns do mundo. De acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde, 4% da população mundial vive com ansiedade. No primeiro ano da pandemia, o cenário agravou-se e registou-se um aumento de 25% dos níveis de depressão e ansiedade em todo o mundo. Em Portugal, e de acordo com os dados do INE de 2021, 24% da população vivia com essa perturbação.
No caso de Sara Crispim, foi um episódio de bullying na infância que espoletou a ansiedade, que se manifestou mais tarde, já na adolescência. Trouxe “uma descarga de coisas mal resolvidas, como uma espécie de panela de pressão”, recorda, em conversa com o P3.
Na faculdade, quando decidiu seguir Psicologia, sabia que não queria ser uma "uma psicóloga-faz-tudo". Por isso, reflectiu sobre a própria experiência e decidiu especializar-se nesta perturbação. Agora, acha que o facto de saber como a ansiedade funciona na primeira pessoa a torna mais empática em relação aos pacientes que trata.
Em 2019, mesmo antes da pandemia, realizava consultas presencialmente. No entanto, por ter um paciente na Bélgica, experimentou fazer a sua primeira consulta online e, desde então, não largou o trabalho remoto. Explicou que, nos pacientes com ansiedade, este método é, muitas vezes, mais proveitoso, porque se sentem mais confortáveis a fazer terapia “em casa, ou até no carro estacionado ao pé da praia”.
Hoje, com clínica própria, conta com 18 psicólogos que ajudam, de forma exclusivamente remota, pessoas em mais de 20 países. “Senti que era o meu dever desmascarar esta problemática, mostrar que não se deve desvalorizar”, conta.
A licenciada e mestre em Psicologia pela Universidade do Algarve acredita que a sua abordagem é diferente porque é “muito simples, muito perceptível e muito prática”. Acredita que as pessoas querem intervir na ansiedade, mas não sabem como e, por isso, criou-lhes uma espécie de mapa: “Como identificar a ansiedade, desmascará-la, como intervir quando acontece e, de seguida, com toda esta informação, como posso mudar a minha vida.” Acrescentou, ainda, que “a promessa deste livro é a criação de uma rotina antiansiedade e é isso que dá às pessoas: verdadeiros hábitos de mudança”.
Apesar do tom do livro, Sara reconhece a importância da ansiedade na nossa vida. “Sem ansiedade, não nos conseguíamos levantar da cama de manhã para ir trabalhar. A ansiedade garante a nossa sobrevivência. Mas, se os nossos antepassados tinham ansiedade por fugir de animais selvagens, nós temo-la por coisas mais pequenas, como uma mensagem enviada no WhatsApp que ficou sem resposta”, explicou.
Transforma-se num problema “quando se torna desproporcional na nossa vida”. A especialista assegura que “todos vivemos com ela, a diferença é que alguns a conseguem controlar ou, pelo menos, ela nunca se revelou limitadora”. “A ansiedade ultrapassa o limite quando confere muitos sintomas físicos limitadores, pensamentos negativos, ataques de pânico, coisas muito prejudiciais na nossa vida”, concretiza.
Primeiro passo: ter consciência
É no último capítulo do livro que é desvendado o plano detox para a ansiedade, com “estratégias para voltar a controlar as decisões e emoções”. Sara não hesita em dizer que este capítulo é o seu preferido, até porque foi o que deu “mais prazer a fazer”. Afinal, é o mais pessoal: “No plano detox, falo de coisas que as pessoas não sabem que são ansiedade, com um toque mais pessoal, porque me inspirei muito na minha prática de consulta. Tem chavões que costumo usar com os meus pacientes”.
Sara acredita que nenhum livro “substitui o papel de um profissional de saúde mental”. Mas então, porque o escreveu? “Ajuda na primeira coisa de todas: a tomada de consciência”. “A terapia vai fazer um acompanhamento personalizado, o livro pode ser lido por qualquer um, é generalizado e de auto-ajuda”, clarifica a psicóloga.
No livro, identificam-se os aspectos externos e internos que contribuem para a ansiedade. “O tabaco, o álcool, o café, o ritmo frenético da sociedade moderna, a tecnologia que avança à velocidade da luz e que nos faz parecer ratos numa roda, com uma pressão laboral muito intensa” são alguns dos aspectos externos. “Não temos tempo para nós próprios, nem para viver no presente. Estamos sempre presos ao passado ou a viver no amanhã”, explica. “Se estamos no trabalho, estamos em culpa porque não estamos com a família. Se estamos com a família, estamos em culpa porque não estamos no trabalho”, ilustrou.
Quanto aos inimigos internos, Sara explicou que “ninguém pode esperar a cura no lugar onde adoece”. “Precisamos de mudanças, não podemos dizer que nos queremos libertar da ansiedade e não cuidamos de nós próprios”, afirma. Como hábitos que reforçam o estado de ansiedade realçou os de “não meditar, não nos alimentarmos correctamente, não fazermos exercício físico”. Quando isso acontece, estou apenas a mostrar a mim mesmo que “não estou na minha lista de prioridades”, acrescenta.
Ainda assim, sabe que uma das manifestações da ansiedade é, precisamente, a procrastinação. A falta de tomada de uma acção quanto à ansiedade é, também em si, um sinal de ansiedade. No entanto, é decidida a afirmar que “o livro consegue tirar as pessoas do ciclo de procrastinação, porque a desmistifica”. “Faz-nos perceber que procrastinamos porque queremos adiar coisas que nos deixam ansiosos, como tratar de uma apresentação oral.”
A terapeuta alerta para alguns sinais que, muitas vezes, as pessoas não associam à ansiedade mas que, normalmente, são precisamente isso: “fome emocional, procrastinação, perfeccionismo e auto-sabotagem” — tudo isso é ansiedade.
Texto editado por Inês Chaíça