Jardim da Estrela estreia nova estrela: uma “casa aberta” a artistas, famílias e à sustentabilidade

Edifício centenário, antiga creche, é inaugurado domingo, renovado, como Casa do Jardim da Estrela, em Lisboa: para receber artes, famílias e com a ambição de ser um centro sobre a sustentabilidade.

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Casa do Jardim da Estrela Daniel Rocha
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O Jardim da Estrela, em Lisboa, despertou este sábado com os acordes de People are strange, clássico dos The Doors, pela guitarra de um perfeito desconhecido, um dos muitos que aproveitava a manhã para, neste jardim histórico, abstrair-se da cidade. Mas, junto ao coreto maior do jardim, oficialmente baptizado de Guerra Junqueiro há uma renovada casa, e decorria a visita de alguns elementos da Câmara Municipal de Lisboa, o que desperta logo a curiosidade de quem por ali passa.

São ultimados os pormenores no interior da Casa do Jardim da Estrela, um novo pólo cultural – a inaugurar este domingo – projectado para as artes e para pensar a ecologia e a sustentabilidade em Lisboa. Construído em 1892, o edifício térreo, outrora uma creche, foi entregue à gestão da Santa Casa da Misericórdia em 1927, recebeu obras de requalificação em 1956 e 1984, e encerrou em 2017, quando o protocolo de gestão terminou.

Dos tempos de deputado municipal, Diogo Moura recorda um “edifício em estado avançado de degradação", que, nas últimas décadas, contrastava com a natureza em redor, e passava despercebido às novas gerações. Ao PÚBLICO, o agora vereador vê na empreitada "o respeito" pela estrutura arquitectónica e a renovação do propósito educacional do lugar.

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Entre árvores e coretos, vislumbramos o renovado edifício Daniel Rocha

Após mais de um ano e meio de obras – e de 1.5 milhões de euros investidos – a Casa Jardim da Estrela, integrada na rede Um Teatro em Cada Bairro, está preparada para “reforçar a oferta de espaços culturais e de performance”, uma lacuna do município, assume Diogo Moura.

“É uma casa aberta que, não tendo uma programação de temporada, que dura o ano todo, dará resposta às entidades e aos artistas que precisam de espaço para ensaiar e apresentar a sua actividade artística”, garante o vereador.

Uma vertente a inaugurar nos próximos meses, explica ao PÚBLICO a coordenadora da Casa Jardim da Estrela, Vanessa Albino, enquanto nos conduz num roteiro pelas sete salas, cada uma baptizada com o nome de uma árvore do jardim: castanheiro, freixo, dragoeiro, cedro, plátano, alfarrobeira, tamareira.

“Queremos que esta seja uma casa polivalente, capaz de se reinventar como os artistas, e como as árvores, que ganham novas cores e novas valência com as estações do ano”, ilustra.

Maquete do Jardim da Estrela Daniel Rocha
Na manhã deste sábado, alguns convidados aproveitaram para conhecer o espaço Daniel Rocha
Maquete da Avenida Marquês Pombal Daniel Rocha
Projecto do Parque Eduardo VII Daniel Rocha
Maquete dos jardins que descem a Avenida Marquês Pombal Daniel Rocha
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Maquete do Jardim da Estrela Daniel Rocha

A casa será inaugurada com a exposição O Jardim da Estrela, de curadoria de Teresa Bettencourt, que durará até 31 de Janeiro, dedicada aos jardins históricos de Lisboa, revelando as mutações nesses espaços verdes ao longo das décadas. As maquetes, descrições, fotografias e imagens da exposição foram “emprestadas” pelo Museu de Lisboa e pelo Gabinete de Olisiponenses. Entre as maquetes, destacam-se as réplicas do Jardim da Estrela, da Avenida Marquês Pombal e do Parque Eduardo VII.

Entre baldes de tintas, fitas métricas e imagens por posicionar, chegamos à Sala do Dragoeiro, o espaço mais amplo da casa, onde o “trabalho de relojoaria” permitiu recuperar o rendilhado de madeira no tecto, como descreve Vanessa Albino.

“Esta sala servirá no imediato como galeria, mas será multifacetada, pois, depois de retirada a instalação e as paredes, iremos valorizar a luz das janelas. Assim, encontraremos soluções para outras exposições, algumas menos óbvias, quem sabe até pendurar os materiais no tecto. As performances de dança e teatro também vão acontecer aqui”, desvenda a coordenadora da casa.

Últimas horas e derradeiros preparativos na Casa do Jardim da Estrela Daniel Rocha
Um dos espaços exteriores da casa Daniel Rocha
Todas as salas foram baptizadas com o nome de uma árvore do Jardim da Estrela Daniel Rocha
Últimas horas e derradeiros preparativos na Casa do Jardim da Estrela Daniel Rocha
Últimas horas e derradeiros preparativos na Casa do Jardim da Estrela Daniel Rocha
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Últimas horas e derradeiros preparativos na Casa do Jardim da Estrela Daniel Rocha

Pelas janelas rectangulares vislumbram-se folhas de vários tons, telas que irão enriquecer as performances que ali decorrerem, tanto pelas tonalidades como, até, pela ausência de folha, antes da Primavera.

A xiloteca e os livros para todos

Uma das portas da Sala do Dragoeiro dá acesso à pequena Sala do Plátano, aconchegante, e dedicada às actividades em família, como os clubes de leitura. No espaço vizinho, na Sala do Castanheiro, será inaugurada, a 21 de Março, uma xiloteca e uma colecção de literatura sobre o ambiente, a ecologia e a sustentabilidade. “Vamos por partes”, propõe Vanessa Albino.

“A xiloteca, ou seja, uma biblioteca de madeira, estará organizada por colunas, em que cada tipo de madeira estará etiquetado e disponível para observação e análise dos estudiosos”, explica. Quanto à colecção de literatura, há livros para miúdos e graúdos, que vão variar consoante as estações, revela Vanessa Albino: “A pesquisa de mercado tem sido diária para continuarmos na crista da onda sobre a sustentabilidade e o ambiente. Na literatura e nos livros técnicos destaco Joana Bértholo, António Bagão Félix e Min Jin Lee, com a obra Pachinko”.

Esta é, para Vanessa, a via ideal para acumular literacia e compreender a ideia da sustentabilidade, “um termo que engloba o quotidiano, a organização das cidades e a perspectiva económica”.

E, uma vez que o projecto resulta da união entre a Direcção Municipal de Cultura, a Direcção Municipal do Ambiente e Espaços Verdes e a Rede de Bibliotecas de Lisboa, as requisições funcionarão em coordenação com as colecções das restantes bibliotecas, sendo possível reservar documentação em depósito noutros estabelecimentos e, posteriormente, levantá-los na Casa do Jardim da Estrela.

As memórias da creche invadem a casa em Novembro

Neste lugar, entre o século XVIII e o século XXI, centenas de crianças aprenderam sobre a natureza, mas fora de portas, mergulhados na tela que as esperava no exterior. “Em 1882, a creche foi inovadora porque a aprendizagem desenvolvia-se também no jardim, daí tantas aberturas para o exterior. Será a melhor forma de substituir os ecrãs”, descreve Vanessa Albino. Assim, prossegue, a programação – até 29 de Outubro – vai incluir os bancos de jardim, os pequenos terraços e o perímetro circundante. Não obstante, a coordenadora da casa convida os visitantes a investirem o seu tempo – laboral ou de lazer – nesses lugares, em comunhão com a natureza, e com wifi grátis.

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A fachada da Casa do Jardim da Estrela incorpora um pórtico, ideia patente na construção original Daniel Rocha

Já na fachada, entre despedidas, Vanessa Albino aponta para o pórtico à entrada da casa e defende que foi um “trabalho de relojoaria para recuperar cada pormenor”. Para o final, revela uma surpresa. A partir de meados de Novembro, uma das salas receberá, uma vez por mês, as memórias da antiga creche, pela voz de quem ali cresceu, trabalhou ou, simplesmente, confiava os filhos antes de mais um dia de trabalho.

Aproveitando a senda de novidades, Diogo Moura voltou à conversa. No próximo mês, será inaugurado na Boutique da Cultura (Carnide) um novo espaço da rede Um Teatro em Cada Bairro. Em Novembro, no Centro Cultural e Recreativo Coruchéus​, em Alvalade, será a vez de inaugurar um “pequeno pólo cultural”.

“Como aconteceu com o [Teatro] Turim (Benfica), olhamos para espaços icónicos da cidade, recuperamos e devolvemos à comunidade através da cultura", assegura Diogo Mouro, realçando: "Estes novos pólos culturais de média e pequena dimensão são espaços de proximidade".

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Diogo Moura e Vanessa Albino conversaram com o PÚBLICO sobre a Casa do Jardim da Estrela Daniel Rocha

Enquanto no interior da casa se verificava cada centímetro e se pintavam os derradeiros pormenores, no Jardim da Estrela decorria já um Passeio Botânico e Poético, parte da extensa programação de inauguração do novo espaço. Mas a típica manhã de sábado, ainda com o sol de Verão, ainda se encheria de mais actividade, entre ioga, corridas, cães e crianças, lazer na esplanada, jornais, turistas, leitores e músicos. E, lá pelo meio, entre árvores e coretos, a Casa do Jardim da Estrela, que pretende ser "um lugar de todos", polivalente e um pulmão da cultura e sustentabilidade de Lisboa.

A Casa do Jardim da Estrela é inaugurado este domingo Daniel Rocha,Daniel Rocha
Um dos coretos no Jardim da Estrela, o maior, continua em requalificação Daniel Rocha
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A Casa do Jardim da Estrela é inaugurado este domingo Daniel Rocha,Daniel Rocha

Entrada gratuita

A programação arrancou na quinta-feira. Este domingo, às 15h30, terá lugar a cerimónia oficial de abertura da casa, com a presença do presidente da autarquia, Carlos Moedas. Mas a festa durará o dia todo, das 10h até ao pôr-do-sol, entre oficinas temáticas, aula de movimento corporal, momentos de dança e de música. Todas as actividades são de entrada gratuita e a programação, já definida até 29 de Outubro, incluirá também aulas de ioga, debates, palestras e oficinas de leitura, podendo ser consultada no local ou online, na Agenda Cultural de Lisboa.

A Casa do Jardim da Estrela é o resultado de uma parceria entre os Pelouros da Cultura e do Ambiente, Estrutura Verde, Clima e Energia da CML, em conjunto com outras entidades e parceiros, designadamente a Junta de Freguesia da Estrela.

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