Estas 100 tascas dão o mote para uma volta a Portugal, que é rico à mesa e fora dela
As 100 Melhores Tascas de Portugal, dos jornalistas e “atascados de alma e coração” António Catarino e Rui Cardoso, é um guia em que o foco são as tascas e, como bónus, há roteiros à volta delas.
“Rapazes da mesma criação”, António Catarino e Rui Cardoso têm em comum muitos anos de jornalismo, peripécias infindáveis na estrada — fosse a acompanhar provas de todo-o-terreno, ciclismo ou outros desportos, fosse noutro tipo de aventuras, sempre sobre rodas, em Portugal e no estrangeiro —, algumas dessas experiências juntos, como quando fizeram um “costa a costa em África”.
Combinámos almoçar com estes dois “atascados de alma e coração” (como se apresentam no livro editado pela Leya e nas bancas desde o dia 12) num restaurante que cumpria o critério das “tascas” que figuram no guia As 100 melhores tascas de Portugal. N'O Pombeiro, no centro do Porto, a conversa sobre o fabuloso universo destes “restaurantes populares, simpáticos, com preços contidos — não mais de 20 euros”, levou-nos a dar a volta ao mundo. Tudo por causa das tais aventuras que os dois trazem na bagagem, da experiência de Catarino ao volante de um Citroën Berlingo de Paris a Moscovo à viagem de Cardoso ao Mali, aquando da intervenção militar francesa naquele país do Sahel.
Repórteres experimentados, na cobertura desportiva ou do internacional, muitas vezes é por um trabalho mais mundano que são reconhecidos. E assim deve ser (também). Porque reunir 100 boas sugestões de norte a sul do país (as ilhas ficaram, desta vez, de fora, porque, por razões logísticas, “são um desafio suplementar”, explicam) é “serviço público”. Foi esse, de resto, o argumento dos responsáveis da TSF quando convenceram António Catarino (Cuba, Alentejo, 1955, há meio século a viver na Invicta) a fazer as crónicas do TSF à Mesa. E eram também serviço público os Guias do Expresso que Rui Cardoso (Lisboa, 1953) coordenou nos anos 1990.
Durante anos, amigos e família, em viagem por uma qualquer terra maravilhosa de Portugal, quando queriam parar para almoçar ou jantar, pegavam no telefone e, invariavelmente, recorriam a um e a outro jornalista para saber onde se comia bem. E eles sabiam. Onde quer que uma pessoa andasse. E sabiam que pratos eram ali afamados e que histórias contavam essas cozinhas. No início de 2023, Francisco Camacho, editor da Leya, chamou-os com o intuito de fazer um guia de sítios para “quem gosta de comer bem e barato”, como lemos na contracapa do livro.
“Para mim, começou um bocadinho pelo todo-o-terreno e com as voltas aí pelo país, como a primeira vez em que se fizeram os Caminhos de Santiago de UMM, de Trancoso a Santiago de Compostela. A gente nessas coisas passa de facto em sítios extraordinários e vai-lhe ganhando o gosto”, recorda Rui Cardoso. “Temos muitos quilómetros de estrada. Ainda antes de haver campeonatos em Portugal de todo-o-terreno havia os passeios do Clube Aventura. Era a Ronda dos Castelos, na zona Centro, lembras-te? Eram os Caminhos de Santiago. Esses passeios permitiam outra descoberta do território”, recua no tempo António Catarino.
“Nos últimos anos, tínhamos um projecto que era mais ambicioso. Falámos várias vezes informalmente de escrever um livro que englobasse tudo, a gastronomia, a monumentalidade das regiões, as paisagens e histórias associadas. Mas isso era uma tarefa hercúlea. Meteu-se a pandemia e as coisas tornaram-se mais complicadas, até que surgiu esta ideia”, conta o jornalista da TSF. “De fazer uma versão minimalista”, completa Rui Cardoso, para de seguida ressalvar: “o que não quer dizer que não se faça [a outra]”.
Até porque, mal o livro chegou às bancas (3000 exemplares de um guia feito em seis meses), os dois jornalistas perceberam que haviam deixado muitos desses “santuários de bem comer e de tradição” de fora, numa “selecção injusta”, como admite Catarino. “É... 100 é redutor. A próxima edição tem de chamar-se: As 100 Melhores Tascas de Portugal, mais 20 ou 30 que não couberam [na primeira edição]", brinca Cardoso. E isto apesar de, quase todos os dias, fecharem restaurantes destes que aqui falamos, tradicionais, com cozinheiros e cozinheiras de mão cheia, onde não se deixa couro e cabelo.
“Ainda ontem [segunda-feira], em Montemor-o-Novo, fechou um sítio típico, a Taberna do Tio Armando, em frente à Câmara. E no final do ano passado, também fechou o Álvaro da Urra, em Portalegre. Mas aí foi por reforma, ao fim de 50 anos”, lamenta António Catarino, que desde 2014 gravou 1430 programas TSF à Mesa, e “os primeiros 1096 sem repetir um restaurante”. É obra. Enquanto isso, à mesa d'O Pombeiro o pernil assado em cama de arroz de favas ia ficando mais magro e as tripas à moda do Porto desapareciam do tacho.
“As tripas estão fantásticas. Porto é tripas.” Recentrando a conversa, Rui Cardoso afiança que, em todo o caso, as “tascas” apresentadas no livro “são valores seguros”. E acrescenta o “guia foi feito um bocadinho ao contrário do que é habitual” em trabalhos do género. O repto que lança aos bons garfos é: “Já que aqui está e que veio aqui comer o cabrito ou as tripas, então aqui à volta tem…”
De “instituições”, como a Tasca do Zé Russo (Lisboa) ou o Florêncio (Guimarães), à mais jovem Taberna Oporto (Carcavelos, com comida à moda de Fafe e dono oriundo de uma família de restauradores a norte), passando pel'O Queque (Oeiras; e a história de um moçambicano que “jogou à bola com o Eusébio, o Hilário e o Coluna” e “tem uma cozinha maravilhosa” — que abriu em 1995 e não 1945, já agora; a gralha será corrigida numa futura edição), as 100 tascas seleccionadas por Catarino e Cardoso são sugestões de confiança. Para levar “vá para onde for em Portugal continental”.