A vida é feita de viagens
Os nossos instantes, pequenos ou grandes — de segundos, minutos, horas, dias, meses ou anos —, são constantes viagens, no tempo e no espaço, e por fora ou por dentro do que somos, como humanos.
Desde o momento em que nascemos para a luz terrestre, durante toda a jornada, e até no próprio momento em que nos vamos embora, de regresso ao Universo celeste que o Deus, em que cada qual acredita (ou não), criou, a vida é feita de viagens.
Viajo por fora todos os dias, pelo caminho das rotinas: levar os filhos à escola, chegar ao consultório.
E viajo, dia fora, a escutar os pais, a examinar os meus meninos.
Ser pediatra é a minha viagem de profissão, e em décadas a percorrer esses caminhos tão diversos, não têm conta conselhos que dei, mas aprendi outro tanto, também, entre as veredas de vidas de outras pessoas das quais fiz e faço parte, como uma espécie de guia para pais, mães, crianças e adolescentes.
Ser médica de crianças não é só sarar doentes, é muito, mas muito mais, e continuarei nesta viagem os anos que Deus quiser.
No regresso a casa, faço outras viagens por fora, entre tarefas, passando pelo serão em conversas mais curtas do que as que queria, mas no final de cada dia importa também a viagem para a terra dos sonhos.
Um sono reparador é meio sustento, ditado antigo que tento cumprir à risca sempre que consigo, porque me sinto melhor de manhã cedo, se descansar bem.
Os fins de semana permitem outras viagens por fora, as de lazer, embora haja sempre tanto por fazer; todos os que trabalham a tempo inteiro e cuidam do lar, sabem do que estou a falar.
E a vida tem tantas viagens…
Nestas viagens exteriores, incluem-se também as que se fazem nas vidas das nossas pessoas principais, aquelas de quem gostamos mais.
O tempo parece sempre voar quando queremos estar com amigos, irmãos, pais, sejam só viagens verbais, escritas ou faladas, ou viagens gourmet ؙ— conviver por inteiro, olhos nos olhos, sorriso no sorriso, viagens mutuamente brindadas no calor de um abraço verdadeiro.
Essas viagens não são só por fora, mas por dentro de nós…
E, na nossa porção de tempo no mundo de cá, viajamos muito por fora, tal como escrevi até agora, no dia a dia das rotinas do calendário, interrompidas pelos dias de descanso.
Quando temos mais tempo seguido, podemos planear viagens a outros lugares, conhecendo outras culturas, desfrutando de cores e sabores de outras paisagens, que nos recarregam baterias para os restantes dias, regressando com bagagens cheias de histórias que guardamos ciosamente na arca das boas memórias.
Viajo por dentro todos os dias, ao caminhar pelo parque, ao contemplar a natureza, ao meditar.
São sempre pequenos instantes, porque as tarefas ficaram à espera, mas já sei como compensa fazer essas mini viagens, nas quais simultaneamente estou dentro e fora de mim, mais ausente do mundo e mais presente no meu interior, e procuro focar-me no que realmente interessa, sacudindo a pressa, ficando a sós comigo.
Importa parar, para percebermos o que estamos aqui a fazer.
Este ano, senti-me privilegiada, porque consegui nos dias de férias uma viagem maior, e daquelas em que se visita o exterior e o interior.
Ao habitual retiro que pratico há uns anos — em que permaneço uns dias sozinha a divagar com os meus botões, e redescubro sensações sobre quem sou, cercada de arvoredo e de um silêncio que permite escutar-me e falar comigo — e aos festivais musicais (em que me transfiguro em alegria dançante, por ser contagiante sentir a vibração de milhares de pessoas unidas pelo som que se transforma em movimentos), consegui acrescentar ainda uma viagem maior do que o habitual, pelo exterior, plantado num pedacinho do mundo encantador, bordado por ruelas de história, deleite para todos os sentidos, e pelo interior, porque acompanhada pelos meus três filhos.
E foi, indescritivelmente bom. Os pormenores, ficam guardados para nós.
Viajei com eles nesses dias em longas caminhadas de percursos por fora, em que as sensações partilhadas ao calcorrear ruas numa cidade tão bela, as gargalhadas pelas piadas só nossas, e as recordações contadas à medida que iam surgindo, das coisas de cá de cada um, tiveram aquele gosto especial de grandes coisas muito boas, que fazem transbordar os corações.
Todas as viagens que fazemos com os nossos filhos, sejam entre sucessos ou insucessos, alegrias ou desabafos, perguntas com ou sem resposta, afazeres ou momentos de total descontração em que outras responsabilidades ficaram postas de lado, são viagens por dentro e por fora, ao mesmo tempo.
Acompanhar o seu crescimento, lembrar como já viajaram tanto desde o nascimento em que eram tão pequeninos e totalmente dependentes, até serem os adolescentes de agora, maiores do que eu, e paradoxalmente, apesar da aparente longa viagem, ainda com a vida toda pela frente, se o Deus em que acredito quiser, é uma enorme bênção.
Essa viagem, a de ser mãe, é uma missão. Difícil, porque, mesmo quando adquirem total autonomia, os filhos precisarão sempre do amparo e do colo dos pais, mas na qual, incomparavelmente, se recebe muito mais do que o que se dá.
Exterior, mas principalmente interior, é uma grande viagem de amor, e uma jornada onde se dão muitas lições, mas em constante aprendizagem.
Tudo na vida são viagens.
E, na grande Viagem de cada um de nós, apesar de ser um cliché, aqui deixo na mesma a mensagem porque é mesmo assim:
O que conta é como se vai percorrendo a caminhada, no mundo de cá, e não propriamente, chegar ao fim…
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990