O espumante Baga Bairrada já tem oito anos e isso justificou uma prova com 20 marcas

O projecto Baga Bairrada nasceu para defender a casta tinta da região. Em pouco tempo, as uvas pagas aos viticultores duplicaram de preço. E toda a gente ganhou com isso.

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A prova de espumantes Baga Bairrada Matilde Fieschi
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Os primeiros cinco espumantes Baga Bairrada saíram para o mercado em 2015, mas, em rigor, o arranque do projecto começou em 2013 quando Pedro Soares, presidente da Comissão Vitivinícola da Bairrada, criou um grupo de trabalho para definir o perfil da nova categoria de espumantes bairradinos. De modo que, dez anos depois, o balanço é positivo, negativo ou mais ou menos? A nosso ver, bem positivo. E, mais do que tudo, promissor, visto que o tempo obrigatório de estágio dos espumantes sobre borras aumentou de nove para 18 meses. Donde, mais qualidade para estes vinhos.

Antes de irmos aos números, enquadremos a história. A Baga é a grande casta da Bairrada e responsável por alguns dos melhores tintos do país, mas, por ser caprichosa, por tolerar mal as chuvas do equinócio de Setembro (no tempo em que chovia em Setembro) e por muitas vezes estar plantada nos locais errados, volta e meia chegava à vindima em mau estado, pelo que, no final do século passado e no início deste, a moda foi arrancar a Baga e substituí-la por castas mais sexy (nacionais e internacionais). Em consequência, corria-se o risco de delapidação de um património vitícola regional.

Por outro lado, sempre se usou vinhos base da casta Baga para a produção de espumantes da Bairrada, visto que, como se sabe, as exigências enológicas para um vinho base não são as mesmas para um tinto topo de gama. Só que os espumantes feitos com Baga não tinham uma categoria própria e, em muitos casos, nem eram certificados. Eram espumantes da Bairrada e ponto final.

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Ora, a ideia de Pedro Soares e da equipa do grupo de trabalho (oito enólogos no total) foi, justamente, definir em letra de lei o que deveria ser um espumante Baga Bairrada, em termos de cor, peso da casta (85% do lote), perfil sensorial, níveis de doçura e tempo de estágio mínimo (inicialmente os tais nove meses).

Se o projecto começou de forma tímida e só com os tais cinco produtores (Aliança, Caves São João, Caves São Domingos, Rama & Selas e Adega Cooperativa de Cantanhede), rapidamente recolheu a adesão de mais produtores, de tal forma que, hoje, certificam-se anualmente qualquer coisa como 450 mil garrafas de espumante Baga Bairrada. Se colocarmos como preço médio por garrafa nos 7,5 euros, estamos a falar em 3,3 milhões de euros por ano. E, cereja em cima do bolo, a procura pela Baga é tal que, segundo Pedro Soares, um quilo de uva passou de cerca de 30 para 60 cêntimos. Donde, esta é uma categoria interessante para todos: para a CV Bairrada (certifica mais vinho), para os produtores de uva, para as adegas e, claro, para os consumidores, que podem ter acesso a bons vinhos e a preços em conta. Tão em conta que se torna difícil de compreender por que razão não se bebe mais espumante num país de gastronomias ricas e com um Verão que começa em Abril e vai até Outubro.

Quando foi criada a categoria, a ideia dos 18 meses de estágio esteve sempre presente nas discussões do grupo de trabalho, visto que quanto maior é o tempo de estágio melhor é o espumante. Só que, como se tratava de um projecto para testar o mercado, optou-se por reduzir o risco e o investimento dos produtores. Mas, a dada altura, a popularização da categoria chegou a um ponto que começou a surgir no mercado, nas cadeias de grande distribuição, espumante Baga Bairrada a preços quase de saldo, coisa que causava desequilíbrios face aos produtores que não estavam para entrar no campeonato das margens contadas aos tostões. Vai daí o Baga Bairrada passou dos nove para os 18 meses de estágio. O tempo é a única forma de dar complexidade a um espumante e, neste caso, a única forma de continuar a valorizar a casta Baga. Como fazer espumantes com 18 meses de estágio custa dinheiro, isso impedirá a lógica dos preços baixos.

E, agora, sucedem-se as perguntas. Essa questão do tempo muda o perfil dos vinhos? Pois muda. E para melhor? Sim, mas existem alguns riscos, como percebemos numa prova recente realizada na Bairrada com 20 espumantes Baga Bairrada criados entre 2015 e 2020. É que, apesar de serem feitos com a mesma casta, os perfis variam imenso e isso pode criar alguma confusão no espírito dos consumidores. Mas o vinho é mesmo assim. E ainda bem: Cada ano é um ano, cada enólogo tem a sua interpretação e cada casa tem o seu perfil de espumantes. E como deve um consumidor defender-se perante tal cenário? Deve comprar e provar espumantes de diferentes produtores.

É assim que educa o seu gosto (guardemos o conceito de fidelidade para outros assuntos). De resto, a partir desta amostra temos preços para todas as bolsas, entre 7 euros e — em dois casos num extremo oposto — 50 ou 58 euros. Apesar da ciência que incorpora, um espumante, em cada colheita, é sempre algo diferente e único. Francisco Antunes, o homem do universo Bacalhôa que na Bairrada bem pode ser o chamado como o Senhor Espumante, tem uma frase curiosa nesta matéria: "A partir do momento em que se mete uma carica numa garrafa [quando arranca a segunda fermentação para a espumantização], tudo pode acontecer. Fazer espumante é jogar à lerpa e às escuras”.

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Vamos à prova

Dos vinhos mais novos para os mais antigos, dos brancos para os rosés, arrancamos — e bem — com um Aliança Reserva 2020, da Bacalhôa Vinhos (9 euros). Vinho com aromas de maçã e ligeira pastelaria, é na boca que surpreende (ou explode), com uma mousse envolvente e potente. Se no nariz podia indicar que estaria talhado para funcionar antes da refeição, na boca é um todo-o-terreno. Como costuma dizer o seu criador — Francisco Antunes —, “um espumante é aquele vinho que fica bem antes, durante e depois da refeição”.

O Caso do Canto 2020 (Anadiagro) mostrou-se com um perfil bastante diferente, com um vinho a indicar que, provavelmente, foi feito a partir de um vinho base que ou passou por barrica ou sofreu bâtonnage intensa. Espumante mais pesado, com notas cítricas e uma boca fina. Custa 9,10 euros.

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O Gallius Extra Reserva 2020, da Galius (5 euros), apresentou-se estranhamente maduro e evoluído/oxidado. A rolha, ligeiramente curta, não estava nas melhores condições, pelo que haverá que repetir a prova deste espumante.

Das Caves Borlido, dois vinhos. Um Borlido colheita 2020, com notas marinhas e amanteigadas e uma bolha algo doce, fina e fresca), por 7,15 euros, e um Super Reserva, por 7,50 euros, que se revelou mais pesado, com fruta madura e menos frescura de boca, coisa que não impede que seja uma boa companhia para, por exemplo, um peixe gordo assado.

O Regateiro, de 2019, é o espumante que vai por aquele caminho muito conhecido de alguns blanc des noirs. Ou seja, mais neutro no nariz e na boca, mas com notas ténues de flores, de casca de frutos (uvas e ameixa) e ervas secas. Ideal para funcionar como aperitivo. Vende-se por 12 euros.

Já na colheita de 2018 começamos com o Íssimo (15 euros), das Caves Arcos do Rei, para uma experiência interessante, em virtude da complexidade do vinho. Notas pronunciadas de toranja no nariz e uma boca cremosa a fazer pensar em compota, mas com frescura.

O Original (9 euros), da Sociedade Agrícola Quatro Cravos, é um espumante mais clássico, seco e algo magro na prova de boca, mas com umas curiosas notas fumadas.

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José Pedro Soares, presidente da Comissão Vitivinícola da Bairrada MATILDE FIESCHI

Surpresa do dia, o espumante Mata da Fidalga (11 euros), da Quinta da Fidalga, chega-nos ao nariz com notas de flores e de um fruto invulgar para esta região: líchias, que se sentem no nariz e na boca. Com mousse muito fina, é um espumante que apetece beber sem mais nada. Ou, eventualmente, com uma sobremesa.

O Alazão Reserva (7 euros), da Quinta do Cavaleiro Vitivinicultura, indicou-nos um aroma algo caramelizado, com fruta à mistura. Na boca, doçura a mostrar algum peso, eventualmente por causa do licor de expedição.

Do ano de 2017, tivemos o RS Rama & Selas, que chegou ao copo a revelar notas muito vincadas de maçã oxidada (fazia mesmo lembrar uma sidra) e um Messias (Vinhos Messias), num perfil mais clássico e austero, realçando aromas e sabores minerais. O primeiro custa 9 euros e o segundo 21 euros.

No campeonato de 2015, excelente a garrafa São Domingos Grande Reserva (Caves do Solar de São Domingos) por revelar diferentes camadas de aromas, com destaque para a fruta e as notas marinhas. A bolha fina e persistente dá-lhe elegância e persistência. Fica por 17,50 euros.

O Quinta dos Abibes (49,50 euros), da quinta homónima, é outro daqueles casos em que dá a ideia de que o vinho base terá passado por madeira ou então terá resultado de bastante trabalhado com borras. Apresenta-se com alguma evolução, com destaque para as notas de fruta oxidada e algum carácter lácteo na boca. Um estilo.

O Casa de Sarmento (Casa de Sarmento) liberta aqueles aromas cativantes das ondas quando batem na areia, com a boca, ligeiramente doce, a caminhar pela linha da mineralidade. Custa 12 euros.

Para início de conversa com os rosés (categoria muito desafiante), e da colheita de 2020, grande espumante é o Aliança Reserva, ainda por cima a 9 euros. O vinho acaba de cair no copo e logo sentimos aromas de fruta (romã), panificação e ervas secas. Na boca, de novo a fruta e uma bolha que tende a ficar bastante tempo.

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O Terroir provou recentemente na Bairrada 20 espumantes da categoria Baga Bairrada criados entre 2015 e 2020 MATILDE FIESCHI

O Casa do Canto (9 euros), da Anadiagro, revelou alguma oxidação (maçã muito madura), com a boca a caminhar por esse registo e a fazer lembrar cereja também muito maduras.

Para encantar, chega a vez do Prior Lucas, do irreverente produtor Rui Lucas. Muito puro e intenso de aromas, com destaque para as cascas de ameixas e de uvas. Mousse cremosa, saborosa e persistente. Por 14 euros.

O Íssimo (30 euros), das Caves do Arco do Rei, apresentou-se bastante evoluído, quer no nariz, quer na boca, indicando inclusive notas químicas.

A terminar, o Quinta das Bageiras Grande Reserva. Se no nariz parece mais contido, na boca revela austeridade e um perfil clássico que, como é apanágio da casa governada por Mário Sérgio Nuno, é sempre destinado a acompanhar comida (leitão, espinhas de bacalhau e não só).

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Conclusões

A prova dos Baga Bairrada ficaria mesmo completa se, a estes, tivessem comparecido os espumantes das Caves São João, das Caves Primavera ou da Adega Cooperativa de Cantanhede. Tal só não aconteceu porque a procura destas marcas é tal que, no momento, as garrafas estão a estagiar para atingirem os tais 18 meses.

Resumindo, com os espumantes Baga Bairrada temos diversidade de perfis, grande qualidade nalgumas marcas, mas também a necessidade, nalguns casos, de de alguns produtores prestarem maior atenção aos vinhos base ou ao licor de expedição (espumantes jovens houve que se apresentaram apressadamente oxidados), por oposição a vinhos mais antigos e com grande frescura.

Os espumantes, mas também os brancos de alta qualidade e até rosés com tempo, estão a ressuscitar a Bairrada. Se a isto juntarmos o trabalho dos Baga Friends, os investimentos dos produtores da região e a entrada de grupos de outras regiões na Bairrada, esta vai ser, em breve, uma região de moda. E bem merece.

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