Não é só a França a arder, é a Europa a arder
Uma reparação pela exploração das colónias seria trabalhar em políticas que funcionassem para a integração das pessoas que hoje aqui vivem porque no passado existiram impérios.
Ainda que Emmanuel Macron tenha muitos fiéis, ele é o co-protagonista da implosão do sistema político que fundou a Europa. E conseguiu fazê-lo num instantinho quando, a partir do seu cargo no Governo do socialista François Hollande, criou o seu movimento político autónomo. Hoje, está a braços com uma revolta nas ruas que ninguém ainda percebe como vai acabar. A ideia de que perdeu o controlo da situação faz caminho.
O desaparecimento do PS francês e dos Republicanos que alternaram no Governo durante tantos anos deve-se a erros próprios e à ambição talentosa de Macron. Se o sistema tradicional implodiu, a extrema-direita de Marine Le Pen, que herdou do pai um partido e maquilhou-o para efeitos do século XXI, está cada vez mais forte. A seguir à Itália, à Espanha, que se prepara para uma aliança PP-Vox, chegará a vez de Marine Le Pen? O caos nas ruas de França só está a alimentá-la.
O detonador, desta vez, foi o assassinato do jovem Nahel por um tiro de um polícia, por não ter respeitado uma operação "stop". A polícia francesa é bastante racista e violenta e mata uma pessoa por mês, números que ficam a anos-luz do que se passa, por exemplo, na Alemanha. A lei que tornou muito mais fácil o uso de armas de fogo pela polícia foi reforçada em 2017, pela mão de François Hollande, que dizia na altura: “Não há em França a permissão de matar, simplesmente o reconhecimento de que as forças da ordem devem ter a possibilidade de proteger as suas vidas e as vidas de outrem, no quadro da legítima defesa.” Não foi nada disto o que se passou no assassinato do miúdo de 17 anos.
Está a polícia francesa infiltrada pelos apoiantes de Marine Le Pen? Parece cristalino. Dois dos sindicatos de polícias fizeram um comunicado em que disseram estar “em guerra”, defendendo o seu colega assassino e acusando Macron de “ceder à pressão das ruas e das redes sociais”. Mais grave: ameaçam “passar à acção” se não houver “protecção jurídica” do polícia que matou o jovem Nahel. O que é “passar à acção”? Ameaça de guerra civil?
Nenhum governo europeu soube com eficácia lidar com as consequências dos seus impérios, mas talvez França tenha sido o país que mais tenha olhado para o lado, preocupando-se mais com a existência ou não de lenços na cabeça do que com uma verdadeira integração dos seus cidadãos – encarados como cidadãos de segunda – cujas famílias viveram em países colonizados há três gerações mas que, na verdade, não podem ser franceses.
Uma grande reparação que a Europa poderia fazer pela exploração das colónias durante séculos seria trabalhar em políticas que funcionassem (até agora, nada funcionou) para uma melhor integração das pessoas que hoje aqui vivem, principalmente porque no passado existiram impérios, e no combate ao racismo estrutural e xenofobia dos países europeus. Mas toda a gente, a começar por Macron, olha para o lado. Isto não vai acabar bem e, provavelmente, nas mãos da extrema-direita. Uma Europa ocupada pela extrema-direita viola os propagados princípios europeus e está condenada a morrer devagarinho.