É à mesa que se contam as histórias
A calma e silêncio de Montemor-o-Novo, os imprevistos e a generosidade. O leitor Miguel Frazão leva-nos por uma descoberta pessoal entre o Alentejo e muitos caminhos da vida.
Antes de cada viagem tenho por hábito pesquisar um pouco sobre o local para onde vou. Montemor-o-Novo não fugiu à regra. Antes de lá chegar sabia já que foi no castelo, mais precisamente no Paço dos Alcaides, que se tinham acertado os planos da primeira expedição marítima à Índia. Embora também já conhecesse alguma da gastronomia alentejana, provar as tradicionais empadas de galinha estava na minha lista de coisas a fazer. Preparo as viagens para evitar regressar a casa e reparar que me escapou um pormenor importante. Em Montemor não me esqueci de nada, ainda que na minha pesquisa me tivesse falhado algo – a passagem da mítica Estrada Nacional 2.
O autocarro chegou perto da hora de almoço, àquela que também é conhecida como a “cidade dos semáforos”. O Hugo apanhou-me na estação e deu-me boleia até ao Monte de Santa Margarida, onde fiquei instalado. À chegada conheci a sua mãe, que estava na cozinha, e o pai, que conversava com um amigo enquanto grelhava as douradas.
A Fátima, o Manuel e o Hugo lançaram-me o convite para almoçar. Aceitei, é claro. Sentámo-nos à mesa, montada no quintal com vista para o campo. A acompanhar as douradas havia salada. Para beber, um rosé. Troquei este último por um copo de sumo de laranja. O almoço foi muito para além do que estava no prato. Não se falou de futebol, nem da inflação. Partilhámos memórias. Enquanto eu estava no autocarro, a família Pinto percorria 20 km a pé, no troço da Estrada Nacional 2 entre o Ciborro e Montemor. O cansaço físico não era notório. Mas qualquer um reparava na sua felicidade por terem passado a manhã a acompanhar a atleta que se desafiou a percorrer os 739, 26 km desta estrada que liga Chaves a Faro, numa acção solidária. O caminho é feito das pessoas com quem nos cruzamos. Os imprevistos fazem com que dali venham histórias para contar.
Da Nacional 2 a conversa mudou para o Caminho de Santiago. Fizeram-no já algumas vezes, sempre com trajectos diferentes. Tal como este almoço não se restringiu à comida que nos foi servida, também o Caminho de Santiago vai para além da fé que os move. São as pessoas que conhecem e se tornam amigas, os albergues que de um momento para o outro já não têm vaga para eles, o sapato que se perde, a mochila que no ano anterior veio pesada e agora já vem mais leve. De repente, dou por mim a sentir-me parte daquele almoço de família, apenas porque o Hugo, com a sua humildade; o Manuel, com o seu sentido de humor; e a Fátima, com a sua delicadeza, tiveram a generosidade de permitir que eu também pudesse entrar de alguma forma nas suas vidas.
Foi esta generosidade que me ocupou o pensamento enquanto, nessa tarde, subia os 87 degraus da Rua do Quebra Costas, cujo nome é uma espécie de franchising porque também existe uma rua em Coimbra e no Funchal com a mesma designação. Na companhia do Hugo fiz um peddy paper que me levou a conhecer a cidade de uma forma diferente. Visitei o castelo, como tanto queria, e as empadas de galinha também não faltaram naquela tarde.
Montemor-o-Novo é um lugar calmo. Silencioso, diria. O sossego é apenas interrompido pelos insectos que aos poucos se vão alojando na nossa roupa. No entanto, também eles, tal como eu, acabam por seguir o seu caminho.
Miguel Frazão