Restauros: uns bons, outros maus
De George A. Romero a Rosinha de Valença, com Mario Soffici e um clássico do drama social argentino pelo meio.
No início dos anos 1980, George A. Romero criou Tales from the Darkside, uma série de televisão de antologia de terror, uma espécie de A Quinta Dimensão com um orçamento muito mais reduzido. Há um episódio, escrito pelo próprio Romero, passado só dentro das paredes de um estúdio. Jerry Stiller, lenda da comédia (e marido de outra lenda, Anne Meara, com quem era pai de Ben), é um radialista que trata toda a gente que liga para o seu programa nocturno abaixo de cão e faz gala da sua total falta de fé na humanidade e gosto por ela. É um papel óptimo de Stiller, que se vai enterrando cada vez mais à medida que a história avança.
Não está em nenhum serviço de streaming, só existe em DVD americano, e não foi restaurada. A qualidade deixa muito a desejar: não foi pensada para longevidade, vive dos actores e das histórias. Apenas com 21 minutos, é televisão maravilhosa. No dia em que o vi, tinha encontrado alguém a queixar-se do restauro, disponível num serviço de streaming que não temos, em alta definição de M*A*S*H, a sitcom de guerra de Larry Gelbart a partir do filme de Robert Altman (Bill Evans a tocar Suicide is painless, a extremamente parva – a letra é do filho adolescente de Altman – canção do genérico, é recorrente nos meus ouvidos).
A série ficou sem parte da cor, que foi “corrigida” – até Wong Kar-wai mudou as dos seus filmes recentemente –, e passou de 4:3 para 16:9, removendo para isso partes da imagem – o mesmo aconteceu com Seinfeld e vários outros restauros, sem instigar um pânico moral como o que foi gerado quando, em 2020, tiraram temporariamente E Tudo o Vento Levou da HBO Max; talvez a preocupação seja só com indignação perpétua e não com preservação da História. É terrível.
Há restauros bem mais felizes. É conhecido que é praticamente impossível encontrar as versões originais da trilogia Star Wars, estando só disponíveis as versões retocadas, em termos de efeitos especiais e até de história, do 20.º aniversário. Mas o dinheiro que George Lucas fez com a venda da sua saga à Disney ajudou a financiar, pela sua Family Foundation, o restauro de Prisioneros de la Tierra, o clássico de drama social argentino de 1939 sobre as duras condições dos trabalhadores mensú na fronteira com o Brasil e o Paraguai. Realizado por Mario Soffici, foi o filme do mês da iniciativa, grátis, de visionamentos por 72 horas da Film Foundation, fundada em 1990 por Martin Scorsese para preservar a memória cinematográfica mundial. Não tinha cores para serem arruinadas e nada para "melhorar".
No YouTube, com o nome Repertório Popular - Rosinha de Valença (1977), a passagem da brasileira Rosinha de Valença – a inacreditável violonista que, segundo o jornalista Sérgio Porto, que lhe deu o nome, “tocava por uma cidade inteira” – pela TV Cultura no final da década de 1970. Sem qualquer tipo de retoque digital intrusivo quer na imagem quer no som, são só 41 minutos de deleite.