A ausência de receitas portuguesas e estrangeiras nas grandes cidades e em modo de take away, bem-feitas, bem temperadas, com bons ingredientes e - acima de tudo - congeladas, é algo que nos ocupa o espírito há muitos anos. Quando a pandemia se instalou, o nosso cérebro registou que agora é que ia ser. Dois anos e tal depois, a conclusão é óbvia: não foi.
Em matéria de comida, os portugueses só aceitam duas realidades: os restaurantes clássicos que merecem juras de amor eterno (e aqueles acabados de estrear para um nicho de urbanos de Lisboa e Porto) ou as próprias cozinhas e as cozinhas de família onde há malta com jeito para os tachos. O conceito de take away de comida congelada é, por regra, sinónimo de fast food da treta e só para desenrascar. E é bem verdade.
Todavia, se é certo que não há nada como um bacalhau à Brás feito ao momento (ou um arroz de marisco, pasta, puré de batata ou uma tempura vegetais), não deveria haver nada contra uma feijoada de choco e camarão, um arroz de pato, um caril tailandês, uma moqueca de peixe, um bacalhau espiritual, uma sopa de marisco, um caril de grão, um empadão de atum e, até, um ratatouille, todos ultracongelados e prontos a entrar no forno ou no tacho quando chegamos a casa e não temos um pingo de paciência para estrelar sequer um ovo. Onde estão essas maravilhas? Pois, aqui está a boa notícia para quem vive em Lisboa e no Estoril: estão no Passe e no Quase Quase.
Vasco Palha e Mário Borges são chefs de formação e já trabalharam em restaurantes portugueses e estrangeiros, alguns com estrela Michelin. Conceberam o Passe (sinónimo de "roda" nos restaurantes e local de saída dos pratos supervisionados pelo chef) ainda antes de a pandemia se instalar porque olhavam para o lado e não viam comida congelada e pronta a servir de qualidade e variada.
“O que temos nesta matéria? Arroz de pato, bacalhau com natas (os campeões em todo o lado), uns empadões e pouco mais, quase sempre com ingredientes de segunda categoria. A partir daqui o raciocínio foi simples. Se sabemos que a vida das famílias nem sempre permite a preparação de pratos portugueses e estrangeiros demorados, vamos oferecer isso a partir de três variáveis: bons ingredientes, bom sabor e preços competitivos”, explica-nos Vasco Palha.
Declarações em modo de slogan deixam-nos com um pé atrás e outro à frente, mas várias compras feitas na loja de Lisboa comprovam que aquilo que Vasco diz é verdade. E até surpreendente. Sim, os ingredientes são de primeira qualidade (do rosbife aos camarões, passando pelas leguminosas, pelos pedaços de choco, pelos cortes das carnes e pela textura dos peixes); sim, não temos de acrescentar sal, azeite ou uma qualquer especiaria e, sim, os preços são um achado, visto que temos doses que dão para duas pessoas que comem com galhardia por valores entre 11€ e 13€.
Cachaço de porco com molho tailandês (12,95€), caril tailandês e suavemente picante (12,50€) ou chili com carne (11,95€) são soluções de comida estrangeira. No total, e com soluções vegetarianas e veganas, o catálogo aponta para uns 50 pratos, com entradas e saídas de receitas duas vezes por ano. Cereja em cima do bolo, a equipa do Passe faz ela própria a distribuição das encomendas, de Lisboa a Cascais, de Belas à Amadora, coisa que evita certos sarilhos com as soluções de transporte desleixadas que o mercado oferece.
Já o Quase Quase é ligeiramente diferente e com detalhes curiosos, a começar pela carreira profissional do casal fundador: Leonor e Hugo são controladores de tráfego aéreo. Por que razão se meteram nisto? Porque Leonor é um bocadinho obcecada com o valor nutricional da alimentação da família - com crianças pequenas - e porque Hugo gosta de pôr em prática todas as ideias da mulher. Vai daí, acabou de abrir portas um Quase Quase na Avenida de Roma, assim chamado porque Leonor tem boas memórias do tempo em que a avó e mãe lhe diziam que “a comida estava quase, quase pronta”.
Convém notar, todavia, que o facto de Leonor se preocupar com o valor nutricional das coisas (acima de tudo com os açúcares rápidos no processo metabólico) não significa que tenhamos aqui comida à laia daquela que se serve num hospital. O que existe no Quase Quase é uma preocupação na utilização de caldos de base preparados de raiz na cozinha e com bons ingredientes para dar sabor aos pratos finais, que podem ser – só para falar de alguns – sopa rica de peixe, sopa rosa, bacalhau espiritual, feijoada de carnes magras, arroz de pato, strogonoff de caju, empadão de atum ou caril de grão. Pratos que, para três doses, rondam os 22€ cada.
Esta história dos caldos é tão interessante que, num dos dias em que fomos às compras, quem nos atendeu perguntou se queríamos provar um shot de caldo de galinha acabado de fazer e servido a partir de um bule de chá, caldo esse que vai passar a ser vendido aos clientes (que categoria). O nosso imaginário voou para a cultura do ramen, no Japão, porque, quando um cliente com pergaminhos não conhece um determinado chef, costuma pedir-lhe um pouco de caldo base para provar e, só depois, toma a decisão de sentar-se ou não ao balcão. Por nós, o Quase Quase, que conta com a colaboração de cozinheiros profissionais, está mais do que aprovado.