Como prometido, começaremos a falar de espumantes em Janeiro porque, apesar do carácter festivo que está associado às bolhas douradas, o espumante é um vinho como qualquer outro vinho e dá jeito em qualquer dia do ano. Faça frio ou faça calor, um espumante fica sempre bem. Para receber os amigos, para a acompanhar coisas finas (ostras) ou corriqueiras (rissóis ou enchidos), nada bate um espumante. Hoje destacamos um espumante que nem é feito na Bairrada, em Távora-Varosa ou no Douro, vejam lá. É o primeiro espumante certificado da região do Tejo, criado há 30 anos. Na altura como VEQPRD (Vinho Espumante de Qualidade Produzido em Região Determinada, hoje, como DOC Tejo). Apesar de vender 13 mil garrafas, o Monge não é propriamente um espumante popular, mas é um caso didáctico criado pela família que gere a centenária Quinta do Casal Branco, em Almeirim.
Numa família com posses e bom gosto, o champanhe não seria uma bebida desconhecida, mas, apesar de tudo, custava dinheiro. De maneira que, em 1992, José Lobo de Vasconcelos estava numa conversa tranquila com João Portugal Ramos — o enólogo que deu fama aos vinhos da casa — quando o tema foi parar aos espumantes. Espumante de qualidade era coisa que não se conhecia na antiga região do Ribatejo, mas nada impedia que se tentasse. José Lobo é fã de blanc de noirs, que o mesmo é dizer que é fã de champanhes feitos à base de Pinot Noir. A casta francesa não existia nos 120 hectares de vinha da propriedade ribatejana, mas Castelão não faltava. OK, Castelão não é Pinot Noir, mas certas notas aromáticas de frutos vermelhos e certas sensações vegetais estão presentes nas duas castas, pelo que Portugal Ramos e José Lobo avançaram com a ideia de fazer o vinho base da casta que na altura se conhecia como Periquita. Valia a pena arriscar.
Isto merece alguma reflexão porque, apesar dos progressos recentes e do esforço da actual Comissão Vitivinícola Regional do Tejo, a casta tinta Castelão ainda não atingiu a notoriedade a que tem direito junto dos consumidores e dos responsáveis da restauração. Dir-se-á que tudo demora uma eternidade, é certo, mas já seria altura de entramos num restaurante e vermos — nas regiões do Tejo e da Península de Setúbal — uma página da carta de vinhos dedicada em exclusivo à casta Castelão. Repare-se que com Castelão podemos ter tintos de diferentes perfis, rosés, abafados e até espumantes. Muito pode a casta que, ainda por cima, é amiga do agricultor.
De regresso ao Casal Branco, havia, contudo, um detalhe por resolver: quem é que, de confiança e conhecido de ambos, teria experiência em espumantes? Quem é, quem não é e lá foi o vinho base de Castelão espumantizar para a adega de Luís Pato, na Bairrada. Sim, Luís Pato foi co-autor do primeiro Monge, que saiu em 1994. O primeiro, porque os restantes já foram trabalhados em Almeirim.
O espumante lá foi fazendo pela vida até que, em 2015, Manuel Lobo Vasconcelos, sobrinho de José Lobo e actual enólogo do Casal Branco (além de autor dos vinhos da Quinta do Crasto e de outros projectos) decidiu fazer uma edição do Monge com leveduras livres. Até então, todos os Monge tinham sido espumantizados com leveduras encapsuladas, que têm a particularidade de acelerar e facilitar o processo.
Esta questão das leveduras livres versus leveduras encapsuladas dá pano para mangas, pelo que será assunto abordado num artigo mais desenvolvido sobre os processos de produção do espumante, mas, para o que interessa hoje, diga-se que, cada uma destas famílias de leveduras dá um perfil final de espumante. Os tradicionalistas defendem as leveduras livres em virtude da complexidade que introduzem no vinho; os enólogos que trabalham com grandes volumes preferem as encapsuladas por razões operacionais.
Agora, é aqui que entra a componente didáctica do Monge, visto que, para a celebração dos 30 anos da marca, a equipa do Casal Branco apresentou o tal Reserva 2015 feito com leveduras livres. Ou seja, uma parte do mesmo vinho base feito da casta Castelão e de 2015 fez a segunda fermentação com leveduras encapsuladas, enquanto outra parte pequena (1000 garrafas) refermentou com leveduras livres. O primeiro — o Monge Clássico 2015 — esteve 36 meses sobre borras, com o dégorgement a ocorrer em 2019; o segundo — o Monge Reserva 2015 — esteve 60 meses com as borras, com o dégorgement feito em 2021. O Clássico custa 18 euros, o Reserva 30 euros. Ambos estão na categoria Bruto.
Donde, podemos, com duas garrafas, juntar os amigos e, num exercício de prova divertido, tentar perceber as diferenças resultantes do trabalho das duas famílias de leveduras e do tempo de estágio. É um exercício bem divertido. O Monge Clássico tem um perfil que acentua ainda alguma fruta (maçã), enquanto o Reserva caminha mais pelas notas da pastelaria (manteiga), tostados e dos frutos secos, coisas que resultam do maior tempo de estágio do vinho sobre borras. Na boca, sentimos, para os dois vinhos, bolha fina, cremosa e suave e uma frescura vibrante, com o Reserva a revelar mais estrutura e complexidade. Tem mais raça.
Num país que tem na Bairrada, Távora-Varosa e Douro os grandes terroirs dos espumantes portugueses é interessante ver a plasticidade de uma casta improvável e reconhecer o trabalho da equipa que faz o Monge há 30 anos. E Monge, já agora, porque é uma homenagem a Dom Pérignon e todos os outros monges franceses que, de acordo com os relatos, terão afinado o perfil deste nobre vinho. Deus os guarde.