Contem histórias, sugere Mia Couto

Sobre a terra e sobre o mar, há a certeza de que as palavras aproximam e aconchegam. Desde sempre. Contem histórias às crianças, aconselha Mia Couto neste livro.

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Danuta Wojciechowska
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Capa do livro O Rio Infinito, edição da Caminho Danuta Wojciechowska

O escritor moçambicano Mia Couto contou a lenda sul-africana O Rio Infinito num encontro de criatividade e produção de livros em Luanda, em 2019. A ilustradora canadiana Danuta Wojciechowska escutou-a e viria mais tarde a sugerir ao autor e também ao editor da Caminho, Zeferino Coelho, que a transformassem em livro.

“Há muito tempo, numa pequena aldeia remota, vivia uma família constituída por um escultor chamado Kalunga, a esposa Kianda e os três pequenos filhos. Enquanto a mãe cultivava os campos, os meninos procuravam restos de árvores arrastadas pela corrente e que jaziam nas margens dos rios”, assim começa a história-lenda.

Durante a noite, o pai esculpia esses troncos, transformando-os em figuras de pessoas e animais. “Antes de amanhecer, essas esculturas de madeira ganhavam vida própria, como se as mãos do pai escrevessem cartas nos veios da madeira.”

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Num certo Inverno, o Sol deixou de surgir no horizonte. A escuridão e o frio levaram a família a pensar que seria o fim do mundo. “Kianda pensou: ‘É preciso contar histórias às nossas crianças. — Alimentamo-las de contos, disse ela’.” Mas também as histórias se esgotaram.

Então, a mãe partiu pelo mundo em busca de novas histórias. O pai iria pelos campos procurar comida.

Foi uma tartaruga gigante — “Deus fez-me com um pé na areia e outro na água” — que a levou ao fundo do mar, onde moram “os espíritos do oceano”. Segundo ela, “ninguém mais do que eles têm histórias para contar”.

Como ver no escuro?

Danuta Wojciechowska conta ao PÚBLICO, por email, as suas escolhas para acompanhar as palavras poéticas de Mia Couto: “Escolhi o formato do livro idêntico ao do A Água e Águia [do mesmo autor] por apresentar um horizonte largo, a possibilidade de partilha, do livro aberto entre leitores (grandes e pequenos), mas também pela ligação ao tema comum, a água.”

A ilustradora, formada em Design de Comunicação, perguntou-se como seriam as esculturas da personagem Kalunga: “Eu tenho um grande fascínio pela madeira e pela sua estrutura, que se torna visível quando polida pela água. Assim, escolhi focar-me nestes objectos. Queria transmitir este fascínio pela água enquanto grande escultor da vida, complementado por outro lado, pelo olhar atento do artista que faz nascer coisas com a matéria que está ao seu alcance.”

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Outro dos desafios deste livro foi: “Como ver no escuro?”, já que grande parte da história se desenrola na penumbra. “O sol deixou de se levantar, obrigando a mãe a partir em busca de uma solução. Tenta falar com animais da savana, mas estão todos com pressa, todos com medo… Aqui, para manter o olhar interessado, decidi brincar com a riqueza das tonalidades de azul e a sua imensa escala de claro-escuro.” Resultou.

No entanto, também aplicou “outras cores em quantidades mínimas”, permitindo “criar brilhos ou então [as cores] surgem apagadas na sua intensidade, provocando contraste de qualidade”.

Inspiração na tartaruga-de-couro

O seu trabalho é de pintura a guache sobre papel. “Neste caso, com poucos esboços prévios. Vou descobrindo o caminho, são as cores e tonalidades que me levam.”

Outra questão se lhe pôs: “Como solucionar o problema do nosso planeta azul? É aqui que surge, na magia da lenda, o mergulho num reino diferente. Uma descida ao fundo do mar, o encontro com os reis do mar, a troca da escultura de madeira pelo búzio que permite ouvir histórias sem fim.”

Achou uma “sorte”, a personagem Kianda ser guiada por uma tartaruga. “Inspirei-me na tartaruga-pele-de-couro, uma espécie ameaçada, mas fascinante que representa um grupo de animais marinhos que viaja em todo oceano há 100 milhões de anos. Desse momento da ilustração, surgiu também a capa do livro.”

Danuta Wojciechowska, pós-graduada em Educação pela Arte, termina dizendo: “A temática do oceano, assim como a da água doce cruzam-se com o meu trabalho em diversos contextos e livros recentes.” De momento, está numa residência artística a explorar justamente o tema “mar”.

No livro, Kianda, depois de conhecer o rei e a rainha do mar e de com eles negociar certa troca, já que estes queriam conhecer “esse grande mundo que fica acima do mar”, ganhou um búzio enorme, que levou para casa. “Os meninos ouviam o mar, o rio de todos os rios, o primeiro de todos os ventres. Nessa escuta, eles atravessavam a fronteira que separa a água e a luz, que é a mesma que separa o sonho e a vida.”

O Sol voltou e as histórias também.

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