O criador do Pêra Manca e o grande filme sobre a história dos vinhos do Alentejo

António Menêzes e Rietske van Raaij fizeram a homenagem justa a Colaço do Rosário, o fundador da actual vitivinicultura do Alentejo. Para ver, mostrar aos amigos e agradecer um trabalho apaixonado.

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Colaço do Rosário, o fundador da actual vitivinicultura do Alentejo, é homenageado no documentário “Terroir – o Alentejo, as castas e o homem que pensou os seus vinhos”

A arqueologia e a história comprovam que já se fazia vinho no Alentejo antes dos romanos terem metido cá os pés. Sucede que – história e tempo à parte – o actual perfil dos vinhos alentejanos é algo que começou a ser desenhado com o nascimento das adegas cooperativas nos anos 50 do século XX, mas só começou a ensaiar o salto monumental nos anos 70 a partir da visão desinquietante, disruptiva e apaixonada de Francisco António Colaço do Rosário. Se o vinho do Alentejo (e Alentejos vitícolas há muitos) é hoje aquilo que conhecemos, deve-se a este homem que, entre outras coisas, concebeu ao detalhe um vinho chamado Pêra Manca.

Mais do que um revolucionário no sentido clássico, Colaço do Rosário foi uma espécie de n.º 10 numa equipa de futebol a criar, a organizar e a distribuir jogo, mas sempre com um olho posto na baliza, que aqui era atingir o patamar da excelência dos vinhos do Alentejo. E vinhos com identidade. O tempo faz com que algumas teses actuais sejam risíveis, mas é a vida. Hoje continuamos a espalhar ao vento a necessidade de posicionar os nossos vinhos em patamares superiores (quando os preços médios são aqueles que sabemos), mas, no final dos anos 80, quando imaginou o Pêra Manca, era justamente isso que Colaço do Rosário queria: mostrar ao mundo que a identidade dos vinhos do Alentejo tem lugar em qualquer mesa refinada deste mundo.

Terroir – o Alentejo, as castas e o homem que pensou os seus vinhos, de António Menêzes e Rietske van Raaij, é um documentário que todos os apaixonados pelo vinho devem ver. E por diferentes razões. Em primeiro lugar, por ser uma peça muito bem construída para nos mostrar como é que os vinhos do Alentejo chegaram ao patamar de qualidade que se conhece hoje; em segundo, por nos revelar o pensamento de Colaço do Rosário e de um vasto leque de personalidades que também fizeram parte da revolução dos vinhos no Alentejo; e, em terceiro, e com alguma tristeza, por percebermos que o sector do vinho em Portugal não fomenta o aparecimento de mais trabalhos desta natureza. Por ser algo raro em Portugal, quer Colaço do Rosário, quer a própria narrativa do documentário fazem questão de destacar o papel de inúmeras personalidades que, antes ou depois de o investigador começar a trabalhar, foram também determinantes no processo modernizador dos vinhos do Alentejo.

Este documentário nasce porque se deu a feliz coincidência de o casal de documentaristas António Menêzes e Rietske van Raaij ter vivido alguns anos no Pátio Matos Rosa, na Mitra – onde nasceu a Escola de Regentes Agrícolas – e de ter convivido de perto com Colaço de Rosário, que por ali andava a estudar o Alentejo e a fazer micro-vinificações. Como não são perdigueiros constipados, perceberam que ninguém estava a registar em vídeo a vida do investigador alentejano e que isso seria um furo. E aqui está esse furo, que o Terroir disponibiliza agora aos seus leitores.

“Nós convivemos com o Colaço de Rosário e com outros colaboradores. Falávamos com muitos. E, a dada altura, começámos a ficar com aquela sensação de que, qualquer dia, o seu nome só seria recordado por quem se interessasse academicamente pela história da vitivinicultura, o que nos parecia absurdo. Ele não foi apenas o cientista (o que por si só já era suficiente). Foi cientista, foi um homem genuinamente apaixonado pelo Alentejo e foi – acima de tudo – alguém que soube juntar o conhecimento de toda a gente que encontrava pelo caminho, fossem colegas, dirigentes cooperativos, políticos, empresários ou agricultores anónimos que conheciam muito bem o comportamento da casta A, B ou C. Ele nunca foi arrogante. Foi sempre agregador. E o sucesso do vinho do Alentejo também se deve à sua maneira de ser”, diz ao Terroir António Menêzes.

Cada espectador deste documentário concentrar-se-á no que bem entender. Nós ficámos fascinados com quatro histórias: a forma como Colaço do Rosário percebeu que a Antão Vaz poderia ser uma casta fundamental para a região (não era nada evidente); o rigor minucioso na avaliação das castas através de micro-vinificações e avaliações detalhadas; o desenho de raiz do Pêra Manca; e – mais importante – a capacidade que teve para criar equipas multidisciplinares e fazer parcerias com o sector privado – em particular com a Herdade do Esporão e o viveirista Jorge Bohm.

António Menêzes e Rietske van Raaij conheceram-se na Holanda em 1987 e são contadores de histórias por via da técnica do documentário. Trabalham à moda antiga – com tempo para investigar e tempo para colocar os convidados à vontade perante a câmara – e estão neste momento a preparar um novo documentário sobre o vinho do Alentejo, agora sobre a demarcação das sub-regiões, o papel de João Portugal Ramos (e outros enólogos) e a chegada de dinheiro da União Europeia e de novas tecnologias às adegas. O casal tem um conjunto de documentários sobre outros universos (nacionais e internacionais que podem ser vistos na plataforma Vimeo) e devia merecer mais atenção do sector do vinho em Portugal. O que fazem é puro serviço público.

O documentário tem a duração de 1h30, pelo que nada como chamar os amigos para um serão, abrir um Cartuxa Reserva 2017 – ou então pedir a cada um que leve algum vinho com identidade alentejana vincada – e conversar sobre o Alentejo, a grande paixão de Colaço do Rosário.

O projecto Terroir – o Alentejo, as castas e o homem que pensou os seus vinhos foi apresentado em Maio no Évora Wine e contou com os seguintes patrocínios: Fundação Eugénio de Almeida, Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, Direcção Regional de Cultura do Alentejo, Herdade do Esporão, Turismo do Alentejo, Confrarias dos Enófilos do Alentejo, Universidade de Évora, Adega de Borba, Comenda Grande e Adega Cooperativa da Vidigueira, Cuba e Alvito.

O PÚBLICO agradece a António Menêzes e Rietske van Raaij a possibilidade de os leitores do Terroir terem acesso livre ao documentário “Terroir – o Alentejo, as castas e o homem que pensou os seus vinhos”.

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