Jorge Miranda receia país “distraído” com revisão constitucional

O constitucionalista critica o momento em que os partidos abriram o processo de revisão da lei fundamental e acha “perigoso” que o Presidente da República possa ter os seus poderes reforçados.

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Jorge Miranda, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa evr Enric Vives-Rubio

O constitucionalista Jorge Miranda critica o momento em que os partidos abrem um processo de revisão constitucional e defende que mexidas na lei fundamental devem ficar-se pelo essencial: emergência sanitária e digitalização. Em entrevista à TSF e ao JN, um dos pais da Constituição mostrou-se frontalmente contra o aumento de poderes do Presidente da República, mas admitiu que se baixe a idade para votar dos actuais 18 para os 16 anos.

“Acho que é lamentável entrar-se agora num processo de revisão constitucional, quando são tantos os problemas que o país enfrenta, desde a situação económica, inflação, situação dos hospitais, das escolas, a situação internacional com a guerra da Ucrânia”, diz o pai da lei fundamental na mesma entrevista.

O professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa afirma ainda que “quando se começa por querer mexer em três ou quatro artigos, acaba por se tratar de muitos mais”.

“Considero que seria conveniente uma revisão por causa da questão sanitária e dos confinamentos. Ou seja, haver regras jurídicas precisas para evitar abusos no confinamento por razões de saúde. E haver regras também relativas à digitalização. Admito isso nestes dois pontos. O que significaria alterar-se ou acrescentar algo a apenas dois ou três artigos”, defende.

O professor lamenta ver várias propostas dos partidos de matérias diferentes, “desde o Chega ao Bloco de Esquerda”, receando que “o país seja distraído das questões fundamentais”.

Mais: Jorge Miranda considera que antes de se discutir a revisão da Constituição deve tratar-se a “lentidão da justiça”.

Em matéria de referendo à regionalização, o constitucionalista defende na mesma entrevista manter “o preceito constitucional, exigindo os dois referendos. Tem de ser favorável a nível nacional e regional”.

Embora defenda uma revisão minimalista, Miranda concorda que num processo de revisão constitucional “apareça a preocupação ambiental”, mas não vê necessidade que se inscreva na Constituição a questão dos maus tratos a animais.

Além destas questões, Miranda não se opõe à redução da idade para votar dos actuais 18 para os 16 anos como propõe o PSD. “Não se compreende que uma pessoa seja considerada emancipada e não tenha direitos políticos”, argumenta.

Sobre o sistema político, na mesma entrevista à TSF/JN, o constitucionalista defende que “não faz sentido que haja um círculo eleitoral que elege dois [deputados] e Lisboa eleja 40”. Miranda está de acordo com uma “explicitação do sentido da Constituição” neste assunto, mas contra a proposta do PSD para aumentar o mandato do Presidente da República dos actuais cinco para sete anos, passando a ser um mandato único.

“Isto, a par com um aumento do poder do Presidente da República, pode significar pôr em causa o sistema semipresidencial ou de parlamentarismo.” Miranda faz aqui uma dura crítica: “Acho inadmissível a proposta e uma das mais perigosas que foram apresentadas.” O professor de Direito lembra que em vários projectos são aumentados “em muito” os poderes do Presidente, com “interferência na nomeação de membros de diversos órgãos”. “E isso parece-me extremamente perigoso”, alerta.

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