Dirceu Vianna Júnior: ter Masters of Wine ajudaria a promover os vinhos portugueses

É o único Master of Wine de língua portuguesa. Em entrevista ao Terroir, Dirceu Vianna Júnior fala sobre o que custa chegar lá e de como a nossa cultura vitivinícola pode ajudar os candidatos lusos.

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Dirceu Vianna Júnior é o único Master of Wine de língua portuguesa. E é embaixador dos Vinhos de Portugal Ricardo Castelo / NFACTOS

Dirceu Vianna Júnior vivia em Londres quando ingressou, há duas décadas, no exigente programa do instituto britânico que atribui o título de maior prestígio que um especialista na indústria do vinho pode atingir. A comunicação e o acesso aos vinhos do mundo são hoje mais fáceis, mas há coisas que continuam actuais: as alterações climáticas, hoje na boca de todos no sector, já eram tema em 2001!

Qual foi o seu percurso no Master of Wine?
Na época em que comecei os estudos, no início dos anos 90, eu trabalhava em Londres. Fiz todos os cursos oferecidos pela Wine and Spirits Education Trust e ingressei no Instituto dos Masters of Wine em 2001. Dentre os vários motivos que me fizeram iniciar esse processo, o mais importante foi o desafio pessoal de querer tornar-me um Master of Wine. Passei a parte prática (degustação) na primeira oportunidade e passei nas provas teóricas na terceira tentativa. Tive a sorte de contar com a ajuda de vários profissionais durante os anos de estudos, em assuntos diferentes. Por exemplo, na parte de viticultura foi o Olivier Humbrecht MW, o primeiro francês a tornar-se Master of Wine, que me ajudou muito.

Alguma história curiosa do tempo em que frequentou o programa? Como fazia para provar vinhos do mundo, por exemplo?
Várias histórias curiosas, mas o mais importante além do crescimento profissional são as amizades forjadas durante esse período. Muitas das pessoas com quem estudava hoje possuem cargos influentes em várias partes do mundo e a relação formada durante o tempo de estudo é preciosa tanto no âmbito pessoal como profissional. A maneira de estudar, compartilhar conhecimentos e cooperar é exactamente a mesma. Também nos juntávamos em grupos para degustar, compartilhar ideias e custos que eram, e continuam sendo, elevados.

E como fazer para conhecer as principais regiões vitivinícolas? Teve algum apoio ou bolsa para fazer o Master of Wine?
Para conhecer as regiões vitivinícolas tanto do velho mundo quanto do velho munda não há outra alternativa senão viajar. Na época em que estudava, eu trabalhava como comprador de vinhos para uma empresa inglesa, o que facilitou o processo. Viajar para regiões produtoras de vinho fazia parte do trabalho. Alem disso, grande parte do tempo e dinheiro disponível na época eram investidos em viagens, degustações para acumular experiências e conhecimento.

Lembra-se de alguma garrafa rara ou muito dispendiosa que tenham provado e que só tenha sido possível por serem vários?
Lembro-me de garrafas raras como [Château] Haut-Brion 1947, Château Latour 1990 e Château Lafite [Rothschild] 1982 dentre muitas outras que foram compartilhadas com o meu grande amigo Harry Gill, que tinha uma colecção de vinhos inigualável. Outra garrafa memorável foi um vinho da ilha da Madeira de 1703, compartilhada com outros colegas de curso.

Nessas viagens, mesmo investindo, eram preciosos os contactos que já tinha profissionalmente.
Sim, os contactos feitos durante essas viagens foram preciosos profissionalmente e o facto de fazer parte do Instituto abriu várias portas que normalmente seriam difíceis de abrir em grandes produtores de Bordéus e Toscana, dentre muitas outras.

E, em relação aos exames, lembra-se de alguma pergunta inusitada que lhe tenha calhado? Ou de um tema “tendência” à época?
Muitas das tendências da época continuam sendo pertinentes hoje, como por exemplo na área de viticultura um tema importante na época eram os desafios impostos pelas mudanças climáticas. Com relação à enologia lembro que estudávamos sobre os desafios ligados ao sector de microbiologia, como Brettanomyces, por exemplo. Na parte de marketing um tema da época era como construir uma marca forte. O conhecimento que temos sobre essas áreas avançou, mas os temas continuam pertinentes hoje como eram então.

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O brasileiro Dirceu Vianna Junior é o único Master of Wine de língua portuguesa RICARDO CASTELO / NFACTOS

Quando falamos de 2001 falamos de duas décadas atrás, é interessante perceber como as alterações climáticas já eram tema. Hoje felizmente parece que passamos do falar para a acção na viticultura, nas adegas...
Correcto, na época falávamos sobre as causas e como isso poderia afectar a indústria e hoje, por exemplo, podemos explorar como a microbiologia pode ser usada como ferramenta para auxiliar o produtor tanto no campo como na parte de enologia.

O que mudou para si depois de concluir o programa?
O título ajudou a abrir certas portas e trouxe oportunidades, entretanto eu acredito que é preciso ser um bom ser humano e um excelente profissional para sustentar um bom trabalho ao longo dos anos.

O que significa ser o único Master of Wine de língua portuguesa?
Sinto uma certa responsabilidade de fazer um bom trabalho e ajudar outros profissionais que estejam dispostos a trilhar o mesmo caminho. É também motivo de orgulho por ter a oportunidade de ser um dos embaixadores dos Vinhos de Portugal através da ViniPortugal.

Só no Brasil ou em mais países?
Faço trabalho de embaixador em vários países da Europa e auxilio em certos eventos no Brasil, mas como gosto muito e compartilho vinhos portugueses com família e amigos esse trabalho não tem fronteira.

Depois de conseguir o título, quantos candidatos acompanhou enquanto mentor, tem ideia? Quantos acompanha hoje?
Para ser sincero, eu não conto números, pois várias pessoas me ajudaram durante o meu percurso e eu tento fazer o mesmo. Eu acredito que, quando fazemos algo positivo pelo próximo, não há necessidade de dizer isso a ninguém. Serei eternamente grato às várias pessoas que me ajudaram. Guardo essas pessoas num lugar especial dentro do meu coração e espero que as pessoas que tive o privilégio de ajudar sintam o mesmo por mim.

Tem uma opinião em relação aos candidatos portugueses?
Acho que existem vários enólogos e profissionais portugueses capazes de conseguir o título de Master of Wine. Exige trabalho, investimento e determinação, mas seria óptimo para Portugal poder contar com um pequeno grupo de Masters of Wine. Acredito que ajudaria o país de várias formas.

Pode partilhar as primeiras três dessas vantagens colectivas que antevê para Portugal, as que lhe vêm de imediato à cabeça?
Um grupo de profissionais com o título ajudaria a melhorar ainda mais o nível de conhecimento em viticultura e enologia no país. Poderia trazer melhor conhecimento na área de marketing. Ajudaria a amplificar a mensagem em relação à qualidade dos vinhos portugueses.

Estão os portugueses à partida mais bem posicionados por serem oriundos de um país produtor de vinho há tantos anos e com uma diversidade interessante de terroirs, estilos, castas...?
A posição geográfica ajuda de certa forma, pois existem vinhedos e bons profissionais em todos os lados, que estão sempre dispostos a compartilhar conhecimentos. Por outro lado, a disponibilidade de vinhos de outras partes do mundo é mais limitada, o que é um desafio, mas isso é algo facilmente superado.

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Dirceu Vianna Junior é Master of Wine há duas décadas. Ricardo Castelo / NFACTOS

Como descreveria, a alguém que não esteja ligado à indústria o que é o programa Master of Wine?
O programa desafia o candidato a obter conhecimento aprofundado e detalhado em todos os aspectos ligados à indústria de vinho: viticultura, enologia, marketing e negócio do vinho. É necessário ter conhecimento dos vinhos de todas as regiões produtoras, saber identificar e estar a par dos assuntos contemporâneos e tendências. Exige dedicação, resiliência e muitas horas de estudo. Outra vantagem em se associar a um Master of Wine, além do conhecimento, é o acesso aos contactos que esses profissionais possuem.

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Um dos candidatos ao Masters of Wine que o "mentor" Dirceu Vianna Junior apoia é Tiago Macena RICARDO CASTELO / NFACTOS
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