Bruno Barbosa calcorreia o mundo à boleia para cumprir o sonho do pai
O seu dia começa invariavelmente à boleia. Assim, de dedo polegar esticado, já conheceu 73 países e pessoas de todo o mundo. “Somos todos iguais e somos todos diferentes.” Diz-se “viciado” em viajar, adora aeroportos e deixa um conselho: “Desliguem a televisão, é tudo mentira!”
Foi de Portugal à Suíça à boleia em 15 dias “sem gastar um único cêntimo em transportes públicos, a dormir na rua e a apanhar fruta para comer ao longo do caminho, a tomar banho nos rios e a lavar os dentes na casa de banho do McDonald's” e quando a Fugas, curiosa, começou a seguir o seu Instagram, Bruno Barbosa relatava nos stories a odisseia de fazer 127 quilómetros até ao aeroporto de Genebra para apanhar um avião rumo ao Líbano. “O dia começa à boleia.”
Só podia. “Os transportes público suíços são caríssimos. Vai ser fácil.” Sempre optimista, polegar bem esticado no ar, Bruno apanhou imediatamente boleia de um português. A terceira boleia foi de um etíope que no fim da etapa lhe entregou dez euros. A sexta foi a bordo de um descapotável conduzido por um marroquino. Na oitava, Bruno confessava que ainda não tinha estado na Oceânia. Onze boleias depois, o português chegara ao seu destino, “pausa para uma cerveja [um euro] e siga”. E três euros do bilhete de comboio para o aeroporto — “os primeiros euros que gastei em transportes públicos desde que bazei de Portugal #acreditasequiseres” —, onde dormiu debaixo das escadas rolantes do terminal de partidas.
E estava quase apresentado Bruno Barbosa mesmo antes da conversa com a Fugas uns dias depois, já desde Beirute. Com a brincadeira, poupou “uns 80 euros”, confessou o português, que mal aterrou no Líbano ainda fez um slalom “antitáxi” às 23h43. Prefere andar à boleia. Até aí já percebemos.
Bruno, 34 anos, “espírito de 20”, é “viciado em viajar”. Foi notícia em 2020 porque pegou numa bicicleta em Faro ("não há aviões, que se lixe"), tomou um banho no Douro e foi até Santiago de Compostela e voltou. Apanhou o “bichinho das viagens” porque o pai trabalhou na TAP “a vida inteira” sem ter concretizado o sonho de “conhecer o mundo todo de mochila às costas”. Está na hora da “vingança!”
O “vício” de Bruno é “ganhar asas”. “É a minha droga”, admite, com 104 países — e sem ser muito de contar países —, a Europa “toda batida” sozinho, a partir dos vinte anos com a ajuda da Ryanair, e 73 países à boleia. Sim, ele tem dois amores, andar à boleia e aeroportos.
Sempre trabalhou. “Em qualquer coisa” — no Algarve, o trabalho “infelizmente é sazonal”. “Fiz tantas coisas... Aos nove anos desisti da escola. ‘Mãe, quero ir para França'”. “Fui para as obras. Trabalho, viajo, trabalho, viajo, trabalho, viajo. Trabalho nem que seja a apanhar porcaria dos cães.”
Apesar de tudo, de tantos quilómetros calcorreados, ainda diz que vive com a avó em Bordeira, sítio de Santa Bárbara de Nexe. Adora o campo e a “vida simples”. E tem tantas saudades da sua “hortinha”, das bananeiras, das azeitonas e das alfarrobas, como da ria Formosa ("Grande paraíso, nunca vi nenhum sítio assim no mundo"), do mar e do marisco, das ostras e das amêijoas, de andar “no lodo, luz na cabeça à noite, água pelos joelhos” a fazer uns extras. “Todo o dinheirinho era para viajar. Dormia na rua. Já dormi em estações de serviço e em mais de 40 aeroportos. Já viajei muito sem dinheiro.”
Levou para a Suíça 500 euros da apanha de alfarrobas. Em dois dias, arranjou trabalho em Lausanne, num hotel cinco estrelas. Agora está nas obras (quatro mil euros/mês) e à procura de trabalho no aeroporto. “Na Suíça, para ganhar dinheiro é o paraíso. Para viajar é top! Mas também tens que ter juízo.” Entre trabalhos, teve uma semana de pausa. E numa semana gastava mais dinheiro se ficasse no seu cantão do que comprando um voo para Beirute, 130 euros ida e volta.
Fala quatro línguas ("português falo mais ou menos”, brinca), adora “falar com as pessoas, abraçar pessoas” ("somos todos iguais e somos todos diferentes") e não viaja “para ficar bonito nas fotos”. “Quero é estar com os libaneses, ouvir as histórias das pessoas. O mundo são as pessoas e é com elas que a gente aprende.” Tem “tantas histórias para contar”, mas diz não ser “muito de contar” — vai contando uma parte nas stories do seu Instagram, @bruno_worldtraveller, mais ou menos à velocidade com que se cruza com o mundo real. “Tenho que começar a escrever porque esqueço-me de muitas cenas.”
Estuda “minimamente o país” — nunca fez seguro de viagem, nem acredita muito na consulta de viajante —, mas viaja sem planos porque anda à boleia. “Hoje fiz 160 quilómetros e conheci um libanês muito fixe que me ofereceu um chapéu que diz I Love Lebanon. Não sei quem é que vou conhecer amanhã. Os planos estão sempre a mudar. Acordo, aponto para a luz e penso ‘quero ir para ali'”.
Foi para o Líbano porque “estava mesmo a precisar de apanhar ar”. E porque é viciado — ainda em Julho tinha feito o México à boleia. Montou a sua base num hostel em Beirute, de onde parte e regressa todos os dias, aproveitando as reduzidas dimensões do país. “Nunca pensei que o Líbano fosse assim”, resume. Somos uns milhões em Portugal e tenho muita vergonha. É o melhor do mundo para viver, mas temos uma mentalidade tão fechada... Aqui, as pessoas são muito mais evoluídas. Em Portugal é só futebol, futebol, futebol... Desliguem a televisão, é tudo mentira. Somos constantemente enganados...”
Quanto mais viaja, admite, mais gosta da sua terra. Mas não tem planos de voltar tão cedo. “Penso no meu pai todos os dias. Quero concretizar o sonho dele. Em vez de me oferecer uma PlayStation, dizia ‘vamos a Moçambique’ Tenho muito orgulho nisso, muito respeito. Não me apetece nada ir embora.”