Saúde mental e a nova era de trabalho: equilíbrio ou burnout?
A importância da saúde mental tem vindo a ser evidenciada cada vez mais na atualidade, transversalmente em várias áreas da sociedade, e também na esfera profissional.
As inovações tecnológicas e o teletrabalho já estavam a dar os seus passos no contexto laboral, mas, efetivamente, em 2020, a história marcou de forma irreversível uma mudança repentina, imersiva e urgente nesse contexto, em virtude da pandemia de covid-19 e consequente confinamento da população.
Mundialmente, o teletrabalho chegou como uma realidade (praticamente) imposta em virtude das necessidades, e em Portugal, durante o período entre abril e junho de 2020, 23,1% da população empregada trabalhou a partir de casa, de acordo com dados do INE. Estas alterações drásticas implicaram uma adaptação a novos ritmos, exigências, horários e espaços físicos de trabalho, e este passou a coabitar muito de perto com outras realidades da vida dos indivíduos, nomeadamente as áreas familiar, social e pessoal.
Após este período, e fruto do controlo pandémico, alcançou-se alguma normalidade, mas também com mudanças: para alguns a manutenção do teletrabalho, para outros o regresso total ao regime presencial, para outros ainda, a adoção de modelos híbridos entre regime presencial e teletrabalho. O impacto de todo este cenário evidenciou de forma crucial a necessidade de debate sobre as questões da saúde mental do adulto em contexto laboral, levando inclusivamente a Organização Mundial de Saúde e a Organização Internacional do Trabalho a debruçarem-se sobre o tópico.
Se atentarmos na definição da OMS, que considera a saúde como um estado de bem-estar geral, e não apenas a ausência de doença, percebemos claramente que o contexto laboral tem um peso muito importante e significativo, permitindo ao indivíduo alcançar o seu potencial profissional, trabalhando de forma produtiva, contribuindo e sentindo-se inserido na comunidade onde pertence.
Quando tal não acontece, e o ambiente laboral é marcado por conflitos, desvalorização, não reconhecimento, desadequação entre a profissão e funções desempenhadas, relação inadequada entre horas de trabalho/vida pessoal/remuneração, instabilidade e incerteza, a probabilidade de aumento da ocorrência de situações de ansiedade, stress crónico, depressão e até mesmo estados de burnout, pode ser maior, com consequências diretas na saúde, bem como nos níveis de produtividade e abstenção no trabalho.
Portanto, falar de saúde mental no adulto em contexto laboral é falar de um ambiente onde exista cooperação, boa comunicação e resolução de conflitos, prevenção de comportamentos de risco para a saúde, promoção de comportamentos protetores da saúde e um equilíbrio que vise o bem-estar geral.
A própria Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) tem vindo a desenvolver algumas iniciativas que procuram identificar e premiar as instituições que se destaquem pelas suas boas práticas ao nível da promoção da saúde mental, no âmbito dos contextos académicos e escolares e no contexto profissional.
Independentemente do regime de trabalho nas suas várias possibilidades de intersecção entre teletrabalho e trabalho presencial, é importante realçar que existem vantagens e desvantagens no teletrabalho, dependendo das profissões exercidas, sendo fundamental o ponto de equilíbrio entre estes dois formatos. Talvez nos encontremos, atualmente, num momento de reflexão sobre alguns binómios decorrentes destas mudanças no contexto laboral, tais como as relações sociais no ambiente de trabalho presencial versus o isolamento no teletrabalho, ou, o “estar sempre disponível/online” versus os momentos de lazer/offline.
E, para o futuro, outro binómio se colocará como verdadeiramente desafiador (cujos resultados podem ser questionáveis em todas as vertentes do mundo do trabalho), nomeadamente o atendimento e resolução de problemas feito por humanos versus os cenários virtuais do metaverso e da inteligência artificial que começam a estar já presentes na linguagem de muitas empresas.
Se será um “Admirável Mundo Novo” não sabemos ainda, mas, com toda a certeza será um “mundo” emergente que implica discussão aberta, reflexão e integração do impacto das suas experiências no “mundo real”.
Considerando o futuro como a conjugação inevitável destes dois “mundos”, seria agradável pensar no ideal presente nas palavras de Tuiavii (O Papalagui - Discursos de Tuiavii Chefe de Tribo de Tiavéa nos Mares do Sul, ed. Antígona), em que todas as profissões são consideradas importantes, inerentemente associadas ao bem comum da vivência holística da comunidade e realizadas de forma hedónica, pois “o Grande Espírito não quer, de certeza, que nos tornemos cor de cinza por causa da profissão, que nos arrastemos como uma tartaruga ou rastejemos como um molusco do fundo do lado. Quer ver-nos, isso sim, firmes e altaneiros em tudo quanto fizermos, sem nunca perdermos a alegria do olhar”.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990