Enxaqueca: como ter qualidade de vida?

Na segunda-feira, 12 de setembro, assinalou-se o Dia Europeu da Enxaqueca. Em Portugal, estima-se que duas em cada sete pessoas tenham esta doença.

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Os centros hospitalares deverão estar sensibilizados para esta patologia DR/Ivan Aleksic

Considerada pela Organização Mundial da Saúde a segunda doença mais incapacitante, a enxaqueca é sinónimo de dor, sintomas gastrointestinais e intolerância a estímulos externos condicionando a qualidade de vida. Em Portugal, estima-se que duas em cada sete pessoas tenham enxaqueca. Esta é uma doença que tem uma forte componente hereditária: se a mãe tiver enxaqueca, a filha terá 66% de probabilidade de ter enxaqueca e se ambos os progenitores tiverem enxaqueca essa probabilidade sobe para 77%. Mas se procurarem ajuda especializada a probabilidade de tratar esta doença e ter qualidade de vida é enorme.

É, por isso, importante reforçar que, atualmente, esta é uma doença tratável. O surgimento da nova vaga de fármacos mais específicos, dirigidos à causa da doença trouxe-nos a esta realidade! Estes novos fármacos têm permitido controlar a doença e reduzir o número de crises. Quando se tem dor de cabeça diária, incomodativa, com dias de maior ou menor gravidade mas persistente, com náuseas, intolerância ao barulho e à luz, cansaço, incapacidade de concentração, entre muitos outros sintomas e se passa a ter uma a quatro crises por mês, parece que ocorreu um milagre.

De fato, só ao fim de muitos anos de investigação surgiu medicação específica e eficaz para o tratamento de enxaqueca. Quando se tentava fazer a prevenção que implicava a toma de fármacos diariamente — para evitar o aparecimento das crises, deparávamo-nos com alguns medicamentos que não tinham sido desenvolvidos especificamente para esta patologia e por isso tinham uma relativa eficácia, diversos efeitos secundários e tratamento moroso. Os doentes acabavam por abandonar estas medicações e tomar sistematicamente comprimidos durante a crise, desenvolvendo a chamada cefaleia por uso excessivo de medicação.

Com o século XXI, surgiram as novas moléculas — os fármacos designados por anticorpos monoclonais — que são eficazes quer na enxaqueca frequente, quer na enxaqueca crónica com ou sem associação de cefaleia por uso excessivo de medicação. Também a toxina botulínica tipo A é utilizada e tem eficácia comprovada nesta patologia.

A prevenção com estes novos fármacos é dirigida a doentes com enxaqueca crónica e frequente, quando a qualidade de vida é bastante interferida pela doença ou quando o doente tem múltiplas comorbilidades e está medicado com toda uma panóplia de fármacos orais. Em breve espera-se que haja mais novidades no desenvolvimento de outros fármacos para atuar quer na crise quer na prevenção.

Parece criado o ambiente ideal para dizimar a enxaqueca. Mas para isso é preciso reconhecê-la, identificá-la e valorizá-la como doença. Como se faz isso? Os caminhos são vários e complementam-se. Doentes e médicos devem estar alerta para que a orientação seja correta, para que a cefaleia não seja rotulada com outro nome e medicada com terapêuticas diversas, atrasando o diagnóstico e o tratamento eficaz. Em caso de necessidade deve haver orientação para um neurologista diferenciado em cefaleias.

Os centros hospitalares deverão estar sensibilizados para esta patologia tão prevalente e sempre em crescendo e ter equipas multidisciplinares e interdisciplinares dedicadas à enxaqueca, para a abordagem dos cerca de 150 tipos de cefaleias que existem, com o objetivo do bem-estar do doente, o êxito do tratamento e precedida de investigação adequada e célere.

Os doentes têm também um papel primordial: registarem o tipo de cefaleia, a hora, a medicação que tomam, recorrerem ao médico de família que os deverá orientar tratando-os ou encaminhando-os, consoante a complexidade. A resignação pelo fato de se ter cefaleias — nomeadamente enxaqueca — já não é uma atitude. É preciso ser pró-ativo e procurar avaliação especializada para o bem-estar pessoal, familiar e em sociedade.

Vamos assim unir esforços para que o tratamento das cefaleias, e nomeadamente da enxaqueca, seja uma realidade. Para isso é necessário compromisso de todas as partes: doentes e famílias, empregadores e médicos. É urgente a priorização em termos de políticas de saúde e o reconhecimento social desta doença para também combater o estigma associado e promover uma melhor qualidade de vida para quem lida com esta doença.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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