Recomeça, se puderes, sem angústia e sem pressa…
É chegado setembro. Para nós, professores, o mês do recomeço. Mas a verdade é que é cada vez é mais difícil recomeçar sem angústia e sem pressa…
Ser professor é exercer uma profissão que, embora cada vez mais exigente, é constantemente desvalorizada. Uma profissão à qual tão pouco se dá, mas da qual tanto se exige. Uma profissão vivida em tempos de crise, de inquietação, de desvalorização do conhecimento. Ser professor é, atualmente, existir profissionalmente num tempo de ambiguidade, de incoerências e inconsistências várias. Por inúmeras razões, de entre as quais destaco sete.
1. Porque nas escolas se vive quase sempre num tempo frenético em que se cruzam e entrecruzam, políticas, projetos e rituais vários, numa cultura da urgência na qual as coisas essenciais acabam, muitas vezes, por se secundarizar.
2. Porque a pressão dos rankings e a necessidade de legitimação da imagem social das escolas fomenta o “ensino para os exames”, subsumindo as práticas de avaliação a uma função meramente sumativa e tornando muito difícil o exercício de uma avaliação formativa e formadora, centrada nos modos de fazer aprender, nos progressos de todos e de cada um, na melhoria da qualidade dos processos de ensino e de aprendizagem.
3. Porque a crescente desvalorização do conhecimento, da escola e da própria profissão docente tem resultado em níveis cada vez mais elevados de indisciplina, tornando o espaço de sala de aula cada vez mais difícil de gerir. Um espaço onde se instala, muitas vezes, o medo e a impotência.
4. Porque os professores se deparam com inúmeros problemas e dilemas para os quais não têm respostas. Porque esta profissão se reveste de um elevado grau de incerteza e de imprevisibilidade. Porque não há uma “tecnologia ótima” para ensinar.
5. Porque as escolas são arenas políticas nas quais nem todos têm vez e voz. E porque a ação crítica e interventiva nas escolas acaba por ser frequentemente anulada pela perpetuação do mito do profissionalismo, sentenciador de lógicas de (in)ação que não perturbem a ordem instituída.
6. Porque a proclamada autonomia das escolas é quantas vezes cortada pela inconsistência e incoerência de uma máquina burocrática centralista e cega que dá com uma mão e tira com a outra, que a todos trata por igual, ignorando as especificidades dos contextos e a necessidade imperiosa de uma prestação de contas inteligente que responsabilize, exija, mas dê mais a quem mais precisa.
7. Porque as lideranças nas escolas se exercem atualmente em condições muito adversas. Porque dos líderes tudo se espera, numa multidimensionalidade de funções de gestão (não necessariamente pedagógica) que têm de ser assumidas e que dificultam o exercício de uma liderança instrucional, centrada na aprendizagem de todos.
Perante este cenário, urge reinventarmos os tempos em que somos professores. Precisamos de um tempo alicerçado numa identidade profissional sólida, assente em fundamentos e pressupostos amplamente partilhados na profissão, gerados no seio de verdadeiras comunidades de aprendizagem. Precisamos de tempos mais colaborativos, mais inteligentes, com mais sentido. Precisamos de tempos de criação, de autoria, de coautoria. Tempos de reflexão. Tempos de ação. Mas também de tempos de solidariedade. Tempos de humanidade. Para podermos recomeçar sem (grande) angústia e sem (excessiva) pressa.