Teatro como oferta artística: “Os ventos sopram a favor”
Improvisar relaciona-se com o responder ao inesperado, explorar caminhos não percorridos, adaptar-se à contingência, gerar a inovação em situações nem sempre favoráveis, imaginar novas possibilidades existenciais e relacionais, aceitar o erro em si e no outro.
A propósito da abertura, no próximo ano letivo, de um curso básico de Teatro para alunos dos 5.º e 7.º anos de escolaridade, como resposta aos estudantes que pretendam prosseguir estudos nas ofertas artísticas, como atores, cenógrafos ou produtores, partilho a minha visão a respeito da importância do teatro, em particular o teatro de improviso.
A oportunidade proporcionada pela portaria que faculta aos estudantes do ensino básico a frequência do Curso Básico de Teatro, a exemplo do que acontece com a Dança, a Música e o Canto Gregoriano, terá um impacto positivo não apenas nos alunos que já apresentam alguma afinidade com as artes performativas, mas também nos estudantes com distintos interesses e em contextos escolares diversos.
As transformações não respeitam apenas ao desenvolvimento das competências ditas sociais, relacionais ou comportamentais, nem às potencialidades de crescimento pessoal e de autoexpressão exploradas através das artes cénicas, mas, principalmente, às vantagens que decorrem de uma das práticas fundamentais no processo formativo de crianças e jovens: a improvisação teatral.
Improvisar relaciona-se com o responder ao inesperado, explorar caminhos não percorridos, adaptar-se à contingência, gerar a inovação em situações nem sempre favoráveis, imaginar novas possibilidades existenciais e relacionais, aceitar o erro em si e no outro, trabalhar coletivamente em prol de um objetivo comum, (re)criar um mundo quando tudo parece perdido em cena – ou na vida.
Não faltam motivos para acreditar na bondade da medida agora proposta pelo Ministério da Educação e na sua força transformadora.
No entanto, será importante olhar para o teatro de improviso que tem vindo, também ele, a ser praticado em sessões regulares em instituições de ensino de renome mundial, particularmente em Silicon Valley, onde a modalidade já é considerada um culto, e em algumas das mais sonantes universidades dos Estados Unidos, como Harvard, Stanford e Yale. Nestas, alguns dos maiores entusiastas são alunos de cursos de gestão, medicina, direito e relações internacionais.
Neste confuso século XXI, em que o inesperado se tornou norma, a improvisação teatral vem sendo popularizada sob a forma de teatro de improviso, que se baseia em cenas criadas no calor do momento, sem qualquer combinação prévia, a partir de sugestões dos espectadores ou de intervenientes.
Apresentado em Portugal há pouco mais de vinte anos, por grupos como Commedia a la Carte, Os Improváveis ou os Instantâneos, este género encontra grande recetividade junto da gestão de empresas, que aplicam o método na ações de formação das suas equipas, através de palestras e workshops.
Com a introdução do Teatro no próximo ano letivo, os alunos do ensino básico dos 2.º e 3.º ciclos, do 5.º ao 9.º ano de escolaridade, passarão a ter acesso ao curso no ensino articulado, e caso a modalidade de improvisação venha a ser uma das áreas contempladas, poderão ter lições práticas acerca de elementos exaustivamente trabalhados pela improvisação, em que sobressaem a escuta, aceitação, colaboração, não julgamento, flexibilidade, autoconfiança, empatia, adaptação e superação, bem como a possibilidade de utilizar o improvável como motor da imaginação disruptiva.
Os portugueses têm o privilégio de poder contar com o precursor da investigação académica do teatro de improviso, o luso-brasileiro Zeca Carvalho, que, após finalizar o seu pós-doutoramento no Centro de Estudos de Teatro da Universidade de Lisboa, sobre a análise intercultural dos processos criativos de improvisadores brasileiros e portugueses, investiga, atualmente, para um segundo doutoramento, em Estudos Teatrais e Performativos na Universidade de Coimbra, o teatro de improviso como recurso à capacitação para a transformação social e política.
Improvisadores de renome internacional fixaram-se em solo português nos últimos anos, de que saliento o colombiano Gustavo Miranda, a britânica Sophie Pumphrey e o norte-americano Stephen Thornton. Conhecimento não falta. Há que aproveitar e transformá-lo em dinâmicas nas escolas.
Seria interessante um olhar mais atento a este tipo de intervenção teatral, que apela à imaginação, criatividade, cooperação, inovação, integração, valorização da intuição, da diversidade e da cocriação.
Que pais e encarregados de educação aproveitem e apoiem esta louvável iniciativa, pois “os ventos sopram a favor”.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990